2ª VRP|SP: Habilitação para Casamento. Conversão de União Estável (Homoafetiva) em Casamento. A ADPF n. 132 e da ADin n. 4.277 julgadas pelo Supremo Tribunal Federal não prevê tal possibilidade. Necessidade de orientação legislativa ou normativa. Sob o ponto de vista registral, inviável a conversão. Óbice que não elide a lavratura de escritura pública regrando referida entidade familiar. Pedido não acolhido.

Proc. 0023359-87.2011

Habilitação para casamento L.R.N.

Vistos.

Cuida-se de expediente suscitado pelo Oficial do 34º Subdistrito Cerqueira César, de interesse de L. N. e G. A. N., que pretendem a conversão de união estável em casamento. O expediente veio instruído com os documentos das fls. 03/12.

O representante do Ministério Público ofereceu manifestação, tecendo considerações sobre a matéria, opinando pelo indeferimento do pedido (fls. 16/17).

É o breve relatório.

DECIDO.

O procedimento instaurado versa sobre dúvida na possibilidade de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo, buscando o Oficial orientação quanto ao procedimento para os casos dessa natureza. O recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ADPF n. 132 e da ADin n. 4.277, ao reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo como união estável, considerou os princípios da igualdade, liberdade, segurança jurídica e, sobretudo, da dignidade da pessoa humana, ou seja, pautou (aos que ainda não reconheciam o amor, a felicidade e a realização familiar entre pessoas do mesmo sexo) o regime jurídico das uniões homoafetivas e, sobretudo, declarou que a leitura do artigo 1.723 do Código Civil, de acordo com a Constituição Federal no tema família, abarca as uniões homoafetivas ao lado das heteroafetivas.

Destaco, no entanto, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ações acima mencionadas, em momento algum refere a possibilidade de conversão da união estável em casamento ou mesmo da possibilidade de casamento de pessoas do mesmo sexo.

Estender a interpretação dada ao julgado, no que tange ao casamento, a meu ver, não é possível, sem que com isso se sonegue aos interessados o direito de ter reconhecida a entidade familiar por estes constituída.

Nesse sentido, oportunas as palavras do Ministro Relator Ayres Britto, ao discorrer sobre a proteção à família na Constituição Federal, quando refere: “…permanece a invariável diretriz do não-atrelamento da formação da família a casais heteroafetivos nem a qualquer formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa; vale dizer, em todos esses preceitos a Constituição limita o seu discurso ao reconhecimento da família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica”.

Portanto, o julgamento em questão reconheceu a ausência de vedação no texto constitucional à união estável homoafetiva, mesmo porque o artigo 226, § 3º seria uma norma de inclusão, garantindo a toda e qualquer pessoa que mantenha vínculo estável com intuito de constituir família um regime jurídico que garanta direitos e deveres, tanto na esfera afetiva como na patrimonial, sem a pretendida possibilidade de conversão em casamento ou mesmo de casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Ressalto que a impossibilidade do deferimento da habilitação para o casamento civil ou da conversão da união estável em casamento não significa atribuir a essas relações um subgrupo de união estável ou uma família de segunda classe, o que afrontaria claramente a interpretação conforme a Constituição fixada pelo julgamento, até porque, se assim entendido, seria o mesmo que dizer que o casamento civil tem um status social superior à união estável, o que não é verdadeiro, observado o regime jurídico brasileiro.

Embora haja equiparação da união estável com o casamento, por certo que se distinguem em alguns aspectos e, por isso mesmo, constituem duas modalidades de entidade familiar. Com isso não se está hierarquizando relações de afeto ou valorando uma em detrimento da outra, mas apenas reconhecendo sua diversidade e, como é da essência desta, respeitando a opção de cada um.

Ademais, a escolha do projeto de vida das pessoas passa, também, pela escolha da modalidade de família que pretendem constituir, seja esta homoafetiva ou hetereoafetiva, observadas as regras jurídicas dispostas para cada uma destas entidades familiares.

A própria Constituição Federal optou por manter o casamento como ato solene, privilegiando, ao menos nesse aspecto, a noção de instituição, tanto que o regulamenta pormenorizadamente, exigindo, também, a chancela estatal para sua concretização.

Nesse sentido são as regras que dispõe sobre a realização, celebração, capacidade para o casamento, impedimentos e causas suspensivas. É da essência do matrimônio essa formalização, sem que se esteja a desmerecer, em hipótese alguma, as demais modalidades de família.

O que não se pode é, por decisão judicial, instituir ou alargar previsão legal que, até o momento, não existe. A propósito, a opção aqui é legislativa e caberá ao Poder Legislativo, se esse é o reclamo da sociedade atual, dispor sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Portanto, ainda que se observem os princípios constitucionais da igualdade, liberdade e, sobretudo, da dignidade da pessoa humana, todos a reconhecer como família, também a união entre pessoas do mesmo sexo, a livre opção e escolha de vida dos interessados não gera a consequência registrária aqui almejada, certo que tal fato não deprecia, em nenhuma hipótese, a entidade familiar formada pelo casal.

Destaco que a questão não é nova, porque o casamento civil sempre foi concebido como ato solene e submetido a rígido regramento. Desse modo, por exemplo, há previsão expressa referindo causas suspensivas matrimoniais e mesmo a impossibilidade de conversão em casamento de união estável formada por pessoas separadas judicialmente ou de fato (artigo 1.723, § 1º, do Código Civil). Como se vê, a opção decorre de lei, não cabendo a interpretação extensiva pretendida.

Logo, à míngua de previsão legal ou diretriz normativa disciplinando o tema, tenho que a pretensão formulada é inviável. A recusa registrária não significa que o espírito da entidade familiar contemplada na Constituição Federal em relação aos interessados não esteja sendo respeitado, como refiro acima. Não se trata de estabelecer desigualdade entre as uniões de pessoas do mesmo sexo e de sexos diversos, mas, na ótica registrária, definir a impossibilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo ou a conversão da união estável em casamento.

O óbice registrário, na forma concebida pelos interessados, não elide a possibilidade de o casal cogitar de lavrar escritura pública, exteriorizando a situação estabelecida, como ocorre com toda e qualquer união estável na qual se pretenda demarcar o termo inicial e demais direitos, sem prejuízo do regime jurídico correspondente, que já decorre da própria Constituição Federal.

De qualquer forma, no âmbito desta Corregedoria Permanente, tenho que a pretensão deduzida pelos interessados, consistente na conversão da união estável em casamento, não comporta acolhimento.

Diante da relevância do tema, submeta-se a presente decisão, com remessa de cópia de todo o expediente, à Egrégia Corregedoria Geral de Justiça, para a fixação de diretriz uniforme para todo o Estado, se for o caso.

P.R.I.C. (D.J.E. de 15.07.2011)