TJ|PR: Agravo de Instrumento – Embargos de Terceiro – Recurso contra decisão que indeferiu o pedido liminar de reintegração de posse – Ausência dos requisitos legais autorizadores da medida – Agravante que é mero detentor do imóvel – Ata notarial atestando os fatos – Documento dotado de fé-pública – Agravo de instrumento não provido.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 740.051-3, DE CURITIBA – 21ª VARA CÍVEL

AGRAVANTE: JOÃO TADEU GOMES E OUTRO

AGRAVADO I: EDIVEL COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA

AGRAVADO II: ADEMAR PAES DE ALMEIDA E OUTRO

RELATORA: DESª IVANISE MARIA TRATZ MARTINS

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS DETERCEIRO – RECURSO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS AUTORIZADORES DA MEDIDA – AGRAVANTE QUE É MERO DETENTOR DO IMÓVEL – ATA NOTARIAL ATESTANDO OS FATOS – DOCUMENTO DOTADO DE FÉ-PÚBLICA – AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 740.051-3, de Curitiba – 21ª Vara Cível, em que são Agravantes JOÃO TADEU GOMES E OUTRO, Agravado I EDIVEL COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA e Agravado II ADEMAR PAES DE ALMEIDA E OUTRO.

I – RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por JOÃO TADEU GOMES E OUTRO em face de EDIVEL COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA e ADEMAR PAES DE ALMEIDA E OUTRO, impugnando a decisão de fls. 18-72/TJ que, em ação de embargos de terceiros indeferiu o pleito de reintegração de posse.

Inconformados, alegam os Agravantes que detém a posse justa, mansa e pacífica do imóvel a mais de 15 anos; que foram conduzidos ao imóvel por intermédio do Sr. Jorge Luiz Pereira, proprietário do bem; que foram de lá retirados tendo em vista decisão de reintegração de posse proferida na Ação de Execução de Obrigação de Fazer.

Alegam que interpuseram na Comarca de Campo Largo Ação de Usucapião para adquirir a propriedade do bem e que não tinham ciência da existência de ação cível em trâmite perante a 21ª Vara Cível de Curitiba.

Aduzem ainda que caso a reintegração de posse não seja deferida terão o seu sustento e sua residência prejudicados, em afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito à vida.

Às fls. 936-939/TJ foi parcialmente indeferida a liminar pleiteada.

A Juíza de primeiro grau informou (fls. 944/TJ) que os Agravantes cumpriram com o disposto no art. 526, do Código de Processo Civil e manteve a decisão agravada por seus próprios fundamentos.

Os Agravados II apresentaram resposta ao agravo de instrumento (fls. 946-953/TJ) pugnando pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conhece-se do recurso.

Depreende-se dos autos que no imóvel sobre o qual gera a controvérsia recaía uma penhora. Este terreno foi vendido pelo Agravado II para as filhas dos sócios proprietários da empresa Agravada I e, posteriormente, entre eles foi realizada Escritura Pública de Hipoteca através da qual os Agravados II se comprometeram a dar quitação da referida penhora no prazo de 24 meses.

Diante do não cumprimento pelos Agravados II de dar a referida quitação à penhora, o Agravado I ingressou com ação de execução de obrigação de fazer, autuada sob n.º 604/2003 da 21ª Vara Cível de Curitiba no qual foi prolatada sentença (fls. 365-371/TJ) que rescindiu o contrato de compra e venda celebrado entre as partes e condenou os Agravados II a restituírem o valor pago pelo imóvel.

Em sede de cumprimento de sentença, os Agravados II requereram a desocupação do imóvel (petitório de fls. 831-833/TJ) o qual estaria sendo ocupado pelo Agravante como preposto do Agravado I.

Referido pedido foi deferido por intermédio da decisão de fls. 854/TJ, na qual fundamenta o magistrado singular, in verbis:

“(…) Quanto ao requerimento de restituição na posse do imóvel objeto da Matrícula sob n.º 11.562, com fundamento no ato notarial de fls. 611, o qual demonstra que a pessoa que ora se encontra no imóvel, na condição de caseiro, diz trabalhar para o Sr. Jorge Luiz Pereira, o qual é sócio da empresa autora, conforme certidão simplificada de fls. 628, bem como pela parte ré comprovar ser proprietária do imóvel (v-fls. 629-630), entendo deve ser deferido. (…)”

A reintegração de posse foi realizada, conforme certidão do Sr. Oficial de Justiça às fls. 954 e auto de restituição de fls. 955.

Diante destes fatos, os Agravantes interpuseram Embargos de Terceiros no qual pleitearam, liminarmente, a reintegração na posse do imóvel. Referida liminar foi indeferida (fls. 18-20/TJ), tendo a parte interposto o presente Agravo de Instrumento.

Em que pese a fundamentação realizada pelos Agravantes, o agravo não merece prosperar.

Os requisitos legais para o deferimento da liminar de reintegração de posse estão elencados nos artigos 927 e 928, do Código de Processo Civil, os quais dispõem que:

“Art. 927. Incumbe ao autor provar:

I – a sua posse;

II – a turbação ou esbulho praticado pelo réu;

III – a data da turbação ou do esbulho

IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração”

“Art. 928. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que foi designada.”

Desta forma, tem-se que para ser deferida a liminar de reintegração de posse é necessário comprovar, em síntese, a posse, o esbulho/turbação e a sua data, e a perda da posse.

Analisando o caso concreto e a documentação carreada aos autos é possível concluir que o Agravante, ao menos neste momento processual, não preencheu referidos requisitos, em especial a posse.

Segundo o artigo 1196, do Código Civil, “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.

Diante do referido conceito é possível concluir que possuidor difere de detentor na medida em que detentor, nos termos do artigo 1198, do mesmo diploma legal, é “aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”.

Para a concessão de liminar de reintegração de posse o que deve ser provado é que o pleiteante detém a posse, não possuindo referido direito aquele que é mero detentor, ou seja, aquele que está no imóvel em nome de alguém e agindo sob suas ordens.

É o que ensina Carlos Roberto Gonçalves[1]:

“Não raramente o autor encontra uma certa dificuldade para obter e apresentar prova documental a respeito desses fatos, observando-se que somente prova dessa natureza poderá ser feita com a petição inicial. Não se justifica, porém, a concessão de liminar com base apenas em documentos que só provam o domínio, exigindo-se prova da posse, assim como não são suficientes declarações de terceiros, desprovidas do crivo do contraditório.”

Analisando-se a documentação carreada aos autos, ao menos em nível de cognição sumária característico deste momento processual, observa-se que o Agravante é mero detentor do imóvel objeto do litígio, uma vez que, ao que tudo indica, é caseiro do imóvel e reconhece a propriedade do Sr. Jorge Luis Pereira, sócio da empresa Agravada I.

É a conclusão que se chega da análise da Escritura Pública de Ata Notarial de fls. 611 na qual se tem o registro de que a tabeliã do Cartório de Balsa Nova se dirigiu até o imóvel objeto da lide e registrou conversa na qual o Agravante afirmou ser caseiro da propriedade; que o proprietário seria o Sr. Jorge Luis Pereira; que a ele teria sido prometido o pagamento de um salário pela prestação do serviço; que a conta de luz está

em seu nome porque quando ela estava em nome do Sr. Jorge as contas não tinham sido pagas e a Copel iria cortar o fornecimento de energia.

Embora o Agravante traga aos autos contas de luz da propriedade em seu nome, não há como considerá-las suficientes para o deferimento da liminar pleiteada uma vez que se contrapõem às afirmações contidas na Ata Notarial referida.

O valor probatório da Ata Notarial deve ser levado em consideração uma vez que é documento lavrado por Tabelião acerca de situação por ele mesmo averiguada. Desta forma, trata-se documento dotado de fé pública o qual faz prova dos fatos nele contidos, nos termos do artigo 364, do Código de Processo Civil. Assim, neste momento processual, é documento que possui maior carga probatória do que a documentação colacionada aos autos pelo Agravante.

Tenha-se em vista, ainda, a certidão emitida pelo Sr. Oficial de Justiça de fls. 954 através da qual afirma ser o Agravante caseiro da propriedade.

Diante do exposto, é de se concluir que, ao menos neste momento processual, não é possível afirmar que o Agravante é possuidor do imóvel uma vez que os documentos indicam que era mero detentor.

Desta forma, entendo que o Agravante não comprovou seu direito a ser reintegrado na posse do imóvel liminarmente, uma vez que não cumpriu os requisitos legais necessários para tal medida.

III – DISPOSITIVO

ACORDAM os integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e não prover o recurso, nos termos do voto e sua fundamentação.

 

 

 



[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. V. 5. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 159/160.