Jurisprudência Selecionada: CSM|SP: Inventário e Partilha. Formal de partilha que atribuiu o usufruto à viúva e a nua propriedade aos herdeiros. Até a partilha, meação e herança são partes ideais, ao tom de farta jurisprudência, nada obsta que se definam como sendo usufruto e nua propriedade, não se confundindo com doação e exigência do recolhimento de tributo. Apelação provida.

APELAÇÃO CÍVEL N.º 8.597-0/1 | SÃO VICENTE

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral:

I. A requerimento de CONCEPCION CONDE RIBEIRO, instaurou-se o presente procedimento de Dúvida Inversa, pretendendo a suscitada o registro, no Ofício Predial de São Vicente, de formal de partilha extraído dos autos do inventário dos bens deixados por Eduardo Ribeiro da Cunha.

Recusou-se o Serventuário ao registro porque, na partilha homologada, tocou à viúva meeira tão só o usufruto sobre os quatro bens imóveis que compunham o monte-mór, e às duas herdeiras filhas a nua-propriedade: essa forma de partilha importou em doação feita pelo cônjuge supérstite de sua meação. E a doação reclama instrumento público e satisfação de tributos devidos ao Estado federado.

O MM. Juiz Corregedor Permanente, acolhendo as razões aduzidas pelo suscitante, julgou procedente a dúvida, denegando ingresso ao título (fls. 118 v.).

Em tempestiva apelação (fls. 120/126), busca a suscitada a reforma integral do julgado. Sustenta que inúmeros julgados de nossos Tribunais afirmam a legalidade de partilha “causa mortis” efetuada nos moldes daquela ora em exame. Alega ter sido o imposto de transmissão “inter vivos” regularmente calculado e recolhido, com audiência da Fazenda Estadual. Ademais – prossegue a apelante – não hão de ser questionados no Juízo administrativo os critérios que orientaram a homologação da partilha, certo ainda que, no próprio Registro de Imóveis de São Vicente, lograram acesso outros formais de partilha nas mesmas condições do ora exibido.

Pelo improvimento do apelo, mantida a procedência da dúvida, é o posicionamento do Ministério Público, em primeiro se segundo graus (fls. 141/142 e 145/148).

É o relatório, em síntese do necessário.

II. Opino.

II.a. – Nos autos do inventário, a viúva meeira e as duas herdeiras filhas convencionaram partilha amigável em que, à primeira, se reservou unicamente o usufruto vitalício dos quatro bens imóveis arrolados, cabendo às herdeiras a nua-propriedade sobre os mesmos bens.

As razões da dúvida (fls. 112/114), bem lançadas, aliás, atêm-se à circunstância de que a partilha assim efetuada operou efeito de autêntica doação; como tal, não atende à forma obrigatoriamente prescrita em lei, além de não ter sido feita prova de recolhimento do tributo devido pela transmissão do domínio.

II.b. – De longa tradição na jurisprudência administrativa específica é o entendimento de que os títulos da origem judicial não se forram à necessidade de sujeição aos princípios próprios da legislação dos registros públicos, e, em particular, do registro imobiliário.

Assim, também ao crivo do controle da legalidade se submetem os títulos judiciais. Enfatize-se, porém, que, se em relação à generalidade dos títulos essa verificação se circunscreve a esfera meramente formal de cognição, no que respeita àqueles oriundos de autoridade judiciária mais limitada se entremostra a atuação do registrador. É do magistério de AFRÂNIO DE CARVALHO: “Assim como a inscrição pode ter por base atos negociais e atos judiciais, o exame da legalidade aplica-se também a uns e a outros. Está visto, porém, que, quando tiver por objeto atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-se a conexão dos respectivos dados com o registro e à formalização instrumental. Não compete ao registrador averiguar senão esses aspectos externos dos atos judiciais, sem entrar no mérito do assunto neles envolvidos, pois, do contrário, sobreporia sua autoridade à do juiz” (“Registro de Imóveis”, Forense, 3ª. ed., pág. 300 – grifos do original). Mister, portanto, que a preocupação do intérprete, em tais casos, se oriente pela preservação da soberania da atividade jurisdicional, o que não vai todavia ao ponto de, “ad exemplum”, admitir-se a registro direitos ou atos irregistráveis (v.g., determinações judiciais de registro de protesto contra a alienação de bens).

II.c. – A discussão que nestes autos se desenvolveu centra-se, em última análise, na questão da admissibilidade – ou não – da atribuição de bens e direitos como a que foi efetuada e homologada nos autos do inventário em causa ser possível de integrar o conceito de partilha “mortis causa”, ou, ao contrário, importar em constituição de direitos reais estranhos àqueles oriundos da abertura da sucessão, e, nesta última medida, exigir instrumento público para sua formalização.

O limite da qualificação registral pertinente ao princípio da legalidade, no tocante a títulos judiciais, é bem ilustrado na lição sempre presente de SERPA LOPES, ao ponderar que ao Oficial não é lícito, “v.g., criar dúvidas sobre matéria que tenha sido objeto do julgado” (“Tratado dos Registros Públicos”, Freitas Bastos, 5ª ed. Vol. II, pág. 355). Ou, consoante decidido pelo Colendo Conselho na Apelação Cível n.º 104-0, de Americana, em 29.12.1980, “não lhe cabe” (ao Oficial) “questionar ponto decidido pelo Juiz” (Rel. o Des. Adriano Marrey).

Ora ao homologar a partilha, implicitou a D. autoridade judiciária o entendimento de que constituição de usufruto vitalício e despojamento, pela viúva meeira, de sua meação, traduziram matéria susceptível de integrar partilha em inventário. A R. decisão homologatória guarda, sim, conteúdo positivo da admissibilidade de ser homologada partilha da forma por que, no presente caso, o foi. E, quer parecer, não é ao registrador, ou Juízo administrativo que se lhe figura como autoridade hierarquicamente superior, que se facultará questionar ponto assim decidido em sede jurisdicional.

Excelentes que se afiguram os argumentos de fundo emergentes do parecer do Il. Procurador de Justiça, e mesmo da suscitação, tenho que exame de tal largueza e passível de ingresso, “in casu”, na essência mesma da prestação jurisdicional instrumentada no título em exame, extravasa os limites de atuação administrativa pertinente ao controle da legalidade.

Importa salientar, ainda, que a matéria relativa à admissibilidade de partilha da natureza da dos autos tem merecido, na jurisprudência, posicionamento não uníssono, anotando-se a existência de R. julgados que não hesitam em sufragá-la (cfr., além dos V. Arestos colacionados pela apelante, aquele inserto in R.T. 606/106), o que, com maior razão, recomenda se prestigie a intangibilidade da R. sentença homologatória nesta esfera de cognição formal.

Por derradeiro, já teve o Colendo Conselho, em época posterior à do V. Acórdão invocado pelo suscitante (fls. 08), oportunidade de se pronunciar sobre o tema, restando então firmado que, “até a partilha, com efeito, a meação e a herança são partes ideais e, como já estabeleceu o E. Tribunal de Justiça, nada obsta a que ‘tais partes se definam como sendo o usufruto e a nua-propriedade’, sem que tal implique em doação, pois, diversamente, não passa de ‘simples atribuição das partes ideais’ (RJTJSP, 65/236” (Apelação Cível n.º 2.595-0, de Sorocaba j. 01.08.83, Rel. o Des. Affonso de André).

É do mesmo V. Aresto a assertiva de que, “não havendo doação, inexistiria tributo devido”.

II.d. – Comporta provimento o recurso. Tal não se dá, no entender do signatário, por eventual conclusão no sentido de que seria – ou não – formalmente regular ou hígida a partilha homologada nos autos do inventário. O que induz ao afastamento do óbice anteposto é a constatação de que a questão relativa à forma hábil para a instrumentação de atos jurídicos como os de que cuida a partilha em exame já foi apreciada soberanamente em sede jurisdicional, daí porque, “in casu”, a vedação de acesso ao título por tal motivo implicaria desvio da atribuição cometida à autoridade administrativa, e extravasamento das lindes em que se deve conter o controle registrário da legalidade.

II.e. – Cumpre alertar o Serventuário, por fim, de que lhe incumbirá exigir da parte a apresentação de certidões atualizadas das transcrições de n.ºs 22.167 e 12.241, relativas a dois dos imóveis objeto da sucessão, porquanto aquelas apresentadas datam, respectivamente, de 1951 e 1947 (art. 197 da L.R.P.).

III. Pelas razões expostas, o parecer que ofereço à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido do provimento da apelação interposta, para o fim de se julgar improcedente a dúvida inversamente suscitada.

“Sub censura”.

São Paulo, 9 de agosto de 1.988.

(a) AROLDO MENDES VIOTTI, Juiz Auxiliar da Corregedoria

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N.º 8.597-0/1, da Comarca de SÃO VICENTE, em que são apelantes CONCEPTION CONDE RIBEIRO (invte. do espólio de Eduardo Ribeiro da Cunha) e OUTRO, apelado OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA e interessadas CLARA CONDE RIBEIRO RAMOS e HENRIQUE CONDE RIBEIRO RAMOS.

A C O R D A M os Desembargadores do Conselho Superior da magistratura, por votação unânime, em rejeitar a preliminar e, no mérito, dar provimento.

1) Embora lacônica, a sentença (fls. 118 v.) mencionou as razões do indeferimento, tendo, para esse fim, acolhido os motivos alegados pelo Oficial do Registro. Ademais, como foi decidido, em outra oportunidade, não se aplica à espécie o mesmo rigor do Estatuto Processual Civil (Apelação n. 8.730 – ac. 15.8.1988).

Rejeitada fica a nulidade da sentença.

2) No mérito, é dado provimento à apelação, nos termos do bem lançado parecer do MM. Juiz Auxiliar (fls. 151/157).

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores NEREU CÉSAR DE MORAES, Presidente do Tribunal de Justiça e ANICETO LOPES ALIENDE, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 5 de setembro de 1.988.

(a) MILTON EVARISTO DOS SANTOS, Corregedor Geral da Justiça e Relator.