Jurisprudência Selecionada: CSM|SP: Inventário e Partilha. Seus critérios hão de ser fixados no inventário. Não cabe ao juiz de registros a verificação da regularidade de tais critérios, que se deve ater tão somente a regularidade formal dos títulos levados ao fólio real, quando suscite a dúvida. Ademais, decidiu-se em outras oportunidades que ‘a partilha, em si, é ato judicial, insuscetível de exame pelo oficial do Registro’ (AC 104-0 – Americana, j. 29.12.80). Apelação provida.

APELAÇÃO CÍVEL N.º 5.544-0 | TAQUARITINGA

1. Falecendo a consorte, inventariados seus bens pelo cônjuge sobrevivente vieram a ser arrolados inúmeros imóveis consoante se verifica de fls. 13/15. Dois os herdeiros, maiores e capazes (fls. 13); acertaram com o meeiro partilha amigável (fls. 18/20) que foi homologada em Ribeirão Preto (fl. 51). O imposto de transmissão devido foi ali calculado (fl. 48) e devidamente pago (fls. 49/50).

2. Um dos imóveis se situava em Taquaritinga. Foi, integralmente, incluído na legítima dos herdeiros. O Oficial de Registro Imobiliário, entretanto, não o quis registrar e suscitou dúvida, julgada procedente pela decisão de fls. 66/68. Negado o registro, apelam os interessados (fls. 72/75). Sustentam que, contrariamente ao afirmado na sentença, em nada afetaria a meação do cônjuge sobrevivente a atribuição isolada de um imóvel inteiro aos herdeiros.

Em primeira e segunda instâncias opina o Ministério Público pelo provimento da irresignação (fls. 77/78, 84/87).

3. A matéria em discussão pode assim ser sintetizada: possuindo determinado casal inúmeros imóveis, no inventário da esposa um deles, situado em Taquaritinga, foi atribuído com exclusividade aos filhos, integrando sua legítima. Isso, para o digno Serventuário, não teria razão de ser, representando invasão da parte do cônjuge supérstite.

4. Para o Serventuário (fl. 3) haveria, antes de partilhar o acervo, estremar em cada imóvel a metade do cônjuge sobrevivente – havia, aqui, casamento pelo regime da comunhão universal de bens. Sobre a outra metade, depois, é que se realizaria partilha entre os herdeiros. Esta, unicamente, é que seria objeto de sucessão hereditária.

5. Segundo a sentença, nessa mesma linha de raciocínio,

“dever-se-ia, quando da partilha, respeitar necessariamente o destaque da meação do viúvo nos imóveis em questão, mesmo porque só se levou a inventário a meação do cônjuge morto” (fl. 67).

6. Há perquirir, primeiramente, o que seja uma universalidade de bens. O patrimônio e a herança, segundo prevê expressamente o artigo 57 da Lei Civil, “constituem coisas universais, ou universalidades, e como tais subsistem, embora não constem de objetos materiais”. Tal disposição, elementar, vem explicitada na seção V do Capítulo I do Livro II do Estatuto Substantivo Geral, pertinente às coisas singulares e coletivas. Coletivas são as que “se encaram agregadas em todo” (art. 54, II). Nelas o todo é o que conta, não suas partes componentes.

7. O espólio é uma universalidade, constituída por um conjunto de bens. Nele existe um como que condomínio entre herdeiros e cônjuge sobrevivente, a cada qual cabendo uma fração ideal correspondente a 50% do acervo. E isso, simplesmente, porque quando vivo o “de cujus” tal situação, condominial, já existia: cada cônjuge tinha 50% do todo, no casamento em comunhão universal.

8. Sendo os bens – o acervo, a universalidade que compõe – divisíveis (art. 52, Cód. Civil), a indivisão cessará, justamente, pela partilha. É que, como salientado pela douta Procuradoria a fl. 86,

“o casal se faz dono, em comum, de um acervo de bens, pertencendo a cada qual a metade do todo, não de cada parte”.

9. A prevalecer a tese da sentença, a indivisão jamais cessaria na partilha: sempre e sempre, em cada imóvel, fração ideal de 50% deveria ser atribuída ao meeiro sobrevivente. O que, convenha-se, é um verdadeiro absurdo.

10. Hamilton de Moraes e Barros (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vários autores, ed. Forense, vol. IX, 2ª, ed.), de quem o decisório recorrido se socorre, não diz outra coisa. Ou seja:

“ressalte-se que a meação do cônjuge sobrevivente não é herança. Já era dele. Trata-se, tão somente, de separar o que já lhe pertencia, isto é, a parte que tinha na sociedade conjugal desfeita com a morte de outro cônjuge. A metade ideal que o cônjuge tem no patrimônio comum do casal vai ser agora metade concreta, traduzida na propriedade plena e exclusiva dos bens que, na partilha, lhe foram atribuídos” (pg. 318).

11. Uma das finalidades precípuas da partilha, ‘se possível – pois casos haverão em que isso não será possível, como, por exemplo, quando um único imóvel compuser o patrimônio do casal -, portanto, é a de por fim ao estado condominial. Havendo vários imóveis, com efeito, nada impedirá que cada qual seja entregue a um só titular. Para esse fim é que existe aquilo a que se denomina “pedido de quinhões”.

12. Anota Moraes e Barros (ob. cit., pg. 307) que uma das regras a se observar na partilha,

“é a comodidade dos herdeiros e do meeiro. A uma viúva, senhora de hábitos urbanos, não convém um imóvel rural que demande sua presença e vigilância. Do mesmo modo, ao homem do campo, habituado às atividades agrícolas ou pecuárias, não ficaria bem atribuir-se a exploração de uma jazida, ou um estabelecimento comercial na cidade. A comodidade deve combinar-se com a igualdade. Os dois critérios explicam a terceira regra das partilhas, que é a prevenção dos futuros litígios. Não deve, pois, ser germe de próximas discórdias, como a criação de servidões desnecessárias, a colocação das coisas em condomínio”.

Conclui (pg. 308) ser por isso

“e para atender, tanto quanto possível, aos interesses e desejos dos herdeiros e legatários, bem como do cônjuge sobrevivente, que o legislador faculta às partes que formulem ao juiz o pedido de composição de seus quinhões”.

Compondo os quinhões (ob. cit., pg. 308), o juiz

“designa os bens que deverão constituir a meação do cônjuge sobrevivente e os que devam compor o quinhão de cada herdeiro e legatário”.

Anota (pg. 309) que, pela partilha, a indivisão somente não cessará em casos excepcionais, ou quando os interessados não quiserem (e aqui quiseram). Vale dizer: “pode haver uma comunhão que nasce com a partilha, quando um único bem não couber na metade do cônjuge sobrevivo ou no quinhão de qualquer herdeiro e ficou resolvido que esse bem ficasse indiviso, em propriedade comum”.

Quer dizer, a comunhão só não cessará – ou até mesmo terá início, se o número e valor das propriedades forem inferiores ao de herdeiros – quando

“um dos bens do espólio não couber por inteiro num dos quinhões ou na própria meação, ou, cabendo, seja anti-econômico ou ruinosa a sua retalhação” (pg. 310).

13. Não é, evidentemente, o que sucede aqui. A partilha foi regular e os quinhões, na medida do possível, se acomodaram com o consentimento de todos os interessados. O imposto de transmissão, por outro lado, foi regularmente calculado e recolhido. A matéria fiscal, como quer que seja, haveria que ser resolvida no processo de inventário, ao qual tem a Fazenda acesso por nele ser chamada a comparecer.

14. Os critérios de partilha, da mesma forma, hão que ser regulados no inventário. Nada tem com eles o juiz de registros, que se deve ater apenas à regularidade formal dos títulos levados à apreciação do Oficial, quando este suscite dúvida. A propósito, como decidiu o Conselho Superior da Magistratura e vem expresso a fl. 8, tem-se que “a partilha, em si, é ato judicial, insuscetível de exame pelo oficial do Registro” (AC 104-0 – Americana, j. 29.12.80, na “Revista de Direito Imobiliário” do IRIB, vol. 8, pgs. 98-99).

15. A não ser assim, afrontar-se-ia a própria preclusão emergente da homologação, sem recurso, da partilha. Esta, a rigor, é julgada boa por sentença e só se pode desconstituir nos casos expressamente previstos em lei.

16. Há, de todo o exposto, dar provimento ao recurso. A descrição da casa há de se fazer na forma preconizada a fl. 2 (item 2.2) ou, então, haverá que se comprovar a construção de outra, averbando-se-a na forma e requisitos legais.

São Paulo, 6 de março de 1986.

(a) LUIZ ANTÔNIO AMBRA, Juiz de Direito Corregedor.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N.º 5.544-0, da Comarca de TAQUARITINGA, em que são apelantes MILTON APONTE JÚNIOR e MARIA TEREZA APONTE, apelado o OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS e interessado MILTON APONTE, Inventariante do Espólio de ANA BONELLI APONTE,

A C O R D A M os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento à apelação. Custas na forma da lei.

A dúvida é improcedente, tanto sob o aspecto formal, como sob o aspecto de mérito.

Em primeiro lugar, como já fora acentuado pelo Dr. Curador no parecer de fls. 63, ao Oficial do registro de imóveis não é dado recusar, por considerações de fundo, o formal de partilha regularmente expedido, pondo em discussão a partilha já homologada por ato do Juiz.

Depois, o entendimento sustentado pelo Oficial é de inteira improcedência. O espólio é uma universalidade de bens em que tanto o meeiro como os herdeiros têm partes ideais, não definidas em bens individuados. Para se estremarem tais partes, individuando então a incidência de meação e de cada quota hereditária é que existe a partilha judicial ou amigável, que põe fim ao estado de comunhão criado com a abertura da sucessão.

A partilha, por isso mesmo, livremente distribuirá os bens do espólio entre a meação e as cotas dos herdeiros, de conformidade com os pedidos, – e com isso porá termo ao estado de comunhão, se assim for desejado pelos interessados; não há fundamento legal para a exigência da participação do meeiro em metade de cada um dos bens integrantes do espólio, – mantendo obrigatoriamente o estado de comunhão que a lei repele como solução definitiva.

Por essas razões, e de conformidade com os pareceres da Procuradoria da Justiça e do M. Juiz Corregedor dão provimento à apelação para determinar a efetivação do registro recusado.

São Paulo, 4 de abril de 1986.

(aa) NELSON PINHEIRO FRANCO – Presidente do Tribunal de Justiça, SYLVIO DO AMARAL – Corregedor Geral da Justiça e Relator, MARCOS NOGUEIRA GARCEZ – Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.