1ª VRP|SP: Doação da nua-propriedade. Menção não clara quanto a constituição (instituição) do usufruto. Lavratura de ata notarial. Instrumento inviável. Escritura pública só se retifica por outra. A alegada impossibilidade de se lavrar nova escritura em razão da morte do doador é fato estranho à qualificação registral e não tem o condão de afastar o óbice apontado pelo Oficial de Registro de Imóveis. Dúvida prejudicada.

Processo 0021331-49.2011.8.26.0100

CP-162

Dúvida – Registro de Imóveis

5º Oficial de registro de Imóveis da Capital

VISTOS.

Cuida-se de dúvida inversa suscitada por Luiz Miranda Insfran e outros, que se insurgem contra a recusa do 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital em registrar no imóvel das transcrições nºs 82.829 e82.830 aescritura pública de doação lavrada nas notas do 32º Tabelião da Capital, em 14.07.03, pela qual Clovis de Padua Mello doou aos interessados a nua propriedade dos imóveis.

Aduzem que, a despeito de não ter constado na escritura de doação, era intenção do doador permanecer com o usufruto dos imóveis (apartamento e vaga de garagem), porque neles residia, e que é impossível lavrar nova escritura de que conste a instituição do usufruto porque o doador falecera em 2007 sem herdeiros. Afirmam, ainda, que lavraram ata notarial para aditar a escritura, dispensando-se a lavratura da escritura de retificação.

O Oficial Registrador prestou informações às fls. 24/27.

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice caso não reconhecida a preliminar de que a dúvida encontra-se prejudicada (fls. 32/33).

É O RELATÓRIO.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Observe-se, de início, que os interessados não juntaram a via original da escritura pública de doação que pretendem registrar, o que prejudica o exame da dúvida, conforme reiterada jurisprudência do E. Conselho Superior da Magistratura:

“O recurso não deve ser conhecido, porque a dúvida inversamente suscitada não veio instruída com o título original. A cópia do título é mero documento e não instrumento formal previsto como idôneo a ter acesso ao registro. Era indispensável a apresentação, desde logo, do título apto a ingressar no registro, sem possibilidade de sanar a falta no curso do procedimento, porque acarretaria ilegal prorrogação do prazo da prenotação e permitiria dilações e complementações em detrimento de direitos posicionais que acaso pudessem existir em contraposição ao da suscitada, conforme reiteradas decisões do Colendo Conselho Superior da Magistratura neste sentido (Apelações Cíveis números 15.351-0/6, 30.736-0/6, 31.007-0/4, 59.191-0/7). Os precedentes citados referem-se ao registro de imóveis, contudo, a regra é aplicável aos registros de títulos e documentos e ao registro civil das pessoas jurídicas. Com efeito, assim como o artigo 221 da Lei 6.015/73 estabelece o que é admitido a registro, no Registro de Imóveis, em rol taxativo, o artigo 127 trata do rol dos títulos admitidos no registro de títulos e documentos, e os artigos 120 e 121 cuidam do registro das sociedades, fundações e partidos políticos. Nenhum dos dispositivos legais mencionados admite a cópia do título para ingresso no registro e os fundamentos são os mesmos.” (Apelação Cível nº 697-6/1).

Ainda que a dúvida não estivesse prejudicada, o título do interessado não comportaria registro.

Pela escritura pública de doação oraem exame, Clovisde Padua Mello doou aos interessados a nua propriedade dos imóveis. Deixou, contudo, de instituir a seu favor o usufruto.

Ocorre que, como bem destacou o Oficial de Registro de Imóveis, não pode o registrador presumir a vontade das partes, que deve ser captada e reduzida a termo pelo Tabelião de Notas.

Ademar Fioranelli, citado nas informações prestadas pelo Oficial de Registro de Imóveis, a respeito da necessidade de que a instituição do usufruto conste de forma expressa no título, bem observa que:

“Exigível, ainda que essa reserva (o autor refere-se ao usufruto) venha expressa no título que deverá, com clareza, definir o titular desse direito real, não podendo o Cartório, assim, deduzi-lo quando ocorre somente a transmissão da nua-propriedade, mormente quando sabemos – e isto pode perfeitamente ocorrer na prática – ser possível a constituição (por instituição) de usufruto sobre o mesmo imóvel em favor de terceiros por outro título pendente de registro” (Direito Registral Imobiliário, safE, pág. 417 – grifou-se).

Portanto, não se trata apenas de se deduzir a vontade das partes, mas também de se evitar que se registre direito que eventualmente tenha sido transferido a terceiros por meio de outro título distinto.

Deste modo, também por questão da segurança jurídica que deve prevalecer nos Registros de Imóveis, o título não poderia ser registrado.

No que diz respeito à ata notarial lavrada para aditar e retificar a escritura, cumpre relembrar que, conforme entendimento da E. Corregedoria Geral da Justiça, uma escritura pública só por outra pode ser retificada:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de divisão amigável – Erro na descrição dos lotes – Retificação por Ata Notarial – Inviabilidade – Necessária nova manifestação de vontade das partes, por meio de escritura de re-ratificação – Recurso não provido.” (Processo CG 45.352/2008)

Ainda que assim não fosse, observe-se que a ata notarial foi lavrada apenas para constar que entre o doador e os donatários não havia grau de parentesco, sem mencionar qualquer fato a respeito do usufruto. Assim, ainda que admitida para retificar a escritura de doação, não se prestariaa preencher a lacunareferente à instituição do usufruto.

Note-se, por fim, que a alegada impossibilidade de se lavrar nova escritura em razão da morte do doador é fato estranho à qualificação registral e não tem o condão de afastar o óbice apontado pelo Oficial de Registro de Imóveis.

Diante do exposto, JULGO PREJUDICADA a dúvida suscitada pelos interessados.

Oportunamente cumpra-se o artigo 203, I, da Lei 6.015/73, e arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 18 de agosto de 2011.

– assinatura digital ao lado –

Gustavo Henrique BretasMarzagão, Juiz de Direito.

(D.J.E. de 29.08.2011)