2ª VRP|SP: Retificação de Assento de Nascimento. Exclusão do prenome “J. P.” e acrescentar “C. M.” passando a chamar-se C. M. B. de M.. Princípios (dignidade da pessoa humana, veracidade registraria, e o princípio da proporcionalidade) que implicam na procedência do pedido. A filha não aceita a mudança do nome do pai em seu registro. Aparente conflito de interesses superiores. Ambos os direitos devem ser preservados e para evitar o problema mencionado basta que se faça anotação no assento da autora para que conste que possui uma filha. No futuro, se a filha precisar, por qualquer motivo, comprovar a filiação, bastará que requeira certidão de inteiro teor no assento da autora. Pedido procedente.

Processo 0039986-69.2011.8.26.0100

Retificação ou Suprimento ou Restauração de Registro Civil

Registro Civil das Pessoas Naturais

VISTOS.

Trata-se de ação de retificação ajuizada por J. P. B. de M. em que pretende a retificação do assento de nascimento, para excluir o prenome “J. P.” e acrescentar “C. M.” passando a chamar-se C. M. B. de M.. Juntamente com a petição inicial vieram documentos (fls. 13/87).

O representante ministerial manifestou-se pelo deferimento do pedido (fls. 89/90).

É, em breve síntese, o que cumpria relatar.

FUNDAMENTO E DECIDO.

É preciso que se compreenda que há princípios no presente caso que implicam na procedência do pedido.

Destaco os seguintes princípios que fazem parte desta fundamentação: dignidade da pessoa humana, veracidade registraria, e o princípio da proporcionalidade.

A dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado democrático de direito significa o reconhecimento de que o indivíduo é superior a todas as coisas. Vale dizer: utilizando-se da formula Kantiana, o indivíduo não pode ser coisificado.

De se destacar ainda que a dignidade da pessoa humana conduz a reinterpretação do princípio da veracidade registraria.

Principal problema enfrentado pelos transexuais referem-se a ausência de correlação entre a sua identidade gênero e a identidade constante em sua documentação.

Há evidente descompasso entre uma e outra. Quando se analisa a veracidade registraria à luz da dignidade da pessoa humana é o documento que deve se adaptar a pessoa e não a pessoa que deve se adaptar ao documento.

Daí porque a análise visual do presente caso demonstra que deve ser deferida a retificação pretendida pela autora. Neste sentido, a utilização do princípio da proporcionalidade também conduz a esta conclusão.

O princípio da proporcionalidade (esclareço que minha concepção de proporcionalidade é a formulado pelo professor Virgílio Afonso da Silva em seu texto “Proporcional e o Razoável”), conduz a que se analise se determinada intervenção estatal pode ou não interferir nos direitos fundamentais.

No caso dos autos não há proporcionalidade em se impedir a alteração do nome da autora, seja por ausência de adequação, seja por ausência de necessidade, seja por ausência de proporcionalidade em sentido estrito.

Este caso porém possui peculiaridades que o transformamem um verdadeiro Hard Case: a autora possui uma filha e sua filha não aceita que haja modificação do nome do pai em seu registro.

A autora não tem culpa de ter descoberto sua identidade de gênero na idade em que se encontra. Também a filha pode exercer legitimamente seu direito de ver em seu assento de nascimento o nome daquele que sempre viu como pai.

Inicialmente analisei a questão pelo âmbito do conflito de interesses na v ca de verificar aquele que teria o interesse superior. Se a autora haveria alteração no registro da filha, se a filha, não haveria a alteração no registro da autora.

No entanto, percebi que tratava-se de um falso dilema, solucionável por uma simples questão burocrática. Onde reside o problema?

O problema reside em que a alteração do nome da autora por completo sem a alteração do nome no registro da filha poderá gerar perda de vínculo entre ambos e consequentemente futuros problemas.

Ora, ambos os direitos devem ser preservados e para evitar o problema mencionado basta que se faça anotação no assento da autora para que conste que possui uma filha. No futuro, se a filha precisar, por qualquer motivo, comprovar a filiação, bastará que requeira certidão de inteiro teor no assento da autora.

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido nos termos da inicial, com a determinação de que seja averbado no assento de nascimento da autora que possui uma filha cuja certidão será juntada aos autos pela autora em trinta dias.

Após certificado o trânsito em julgado, concedo o prazo de até 30 (trinta) dias para a extração de cópias necessárias. Custas à parte autora.

ESTA SENTENÇA SERVIRÁ COMO MANDADO, desde que por cópia extraída pelo setor de reprografia do Tribunal de Justiça, assinada digitalmente por este Magistrado e acompanhada das cópias necessárias ao seu cumprimento, inclusive da certidão de trânsito em julgado, todas numeradas e rubricadas, com certidão abaixo preenchida pela Sr.ª Diretora de Divisão, destinando ao Sr. Oficial da Unidade do Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais competente para que proceda às retificações deferidas.

Outrossim, se aplicável, poderá nesta ser exarado o respeitável “CUMPRA-SE” do Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Corregedor Permanente competente, ordenando seu cumprimento pelo Senhor Oficial da respectiva Unidade do Serviço de Registro Civil das Pessoas Naturais.

Ciência ao Ministério Público. Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.

Certifico e dou fé que em caso de recurso deverá ser recolhido 2% do valor dado à causa, sendo que o mínimo são 05 UFESPs (Lei 11.608, artigo 4º, inc. II, § 1º).

Certifico ainda que o valor do porte de remessa ao Tribunal de Justiça é R$20,96 por volume, a ser pago em guia própria à disposição no Banco do Brasil S/A. (Provimento 833/04 do CSM).

ADV: KAREN SCHWACH (OAB 265768/SP) (D.J.E. de 08.11.2011)