CSM|SP: Registro de Imóveis. Dúvida. Registro de escritura de compra e venda de imóvel. Vendedor que figura no registro como sendo casado pelo regime da separação de bens e consta como viúvo na escritura. Necessidade de prévia partilha do bem. Aplicação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Recurso improvido.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 376-6/7, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante WALDIMIR GÓES e apelado o 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da mesma Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 06 de outubro de 2005.

(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator

V O T O

Registro de Imóveis. Dúvida. Registro de escritura de compra e venda de imóvel. Vendedor que figura no registro como sendo casado pelo regime da separação de bens e consta como viúvo na escritura. Necessidade de prévia partilha do bem. Aplicação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Recurso improvido.

1. Trata-se de apelação interposta por Waldimir Goes (fls.52/58) contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Corregedor Permanente do Décimo Oficial do Registro de Imóveis da Comarca da Capital (fls.45/47), que julgou procedente a dúvida suscitada, indeferindo o registro da escritura de compra e venda que tem por objeto o imóvel transcrito sob o nº 24.044 naquela Serventia.

O título foi recusado ao registro, uma vez que o vendedor Ezio Bracco adquiriu o imóvel em 1968, no estado de casado com Lilia Lehr no regime da separação legal de bens, sendo que da escritura consta o vendedor como sendo viúvo, casado com Luigina Nicoletti Bracco, sendo necessária a prévia partilha do bem.

Sustenta, em síntese, o recorrente, que o vendedor adquiriu o imóvel sob o estado de casado pela separação de bens, nos termos da lei italiana, aplicando-se a regra do local de domicílio dos nubentes quando da ocasião do casamento, nos termos do artigo 7º, § 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Além disso, a súmula 377 do Supremo Tribunal Federal tem aplicação somente nos casos de casamentos celebrados pelo regime da separação legal de bens previsto no artigo 258 do Código Civil de 1916, não se estendendo às hipótese dos matrimônios realizados na Itália, sob o regime da separação absoluta de bens.

A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 66/68).

É o relatório.

2. O recurso não comporta provimento.

O apelante pretende o registro da escritura de compra e venda do imóvel matriculado sob o nº 24.044 no Décimo Terceiro Registro de Imóveis da Capital, o que foi obstado pelo Oficial, uma vez que o imóvel encontra-se registrado em nome de Ezio Bracco, casado com Lilia Lehr, no regime da separação de bens, constando na escritura, todavia, que a venda é realizada por Ezio Bracco, viúvo, autorizado por sua mulher Luigina Nicoletti Bracco.

Entende o Oficial que deve ser aplicada a súmula 377 do STF ao caso em questão, havendo comunicação do bem com a falecida esposa do vendedor, sendo necessária a prévia partilha do imóvel.

O apelante, por sua vez, sustenta ser aplicável à espécie o § 4º do artigo 7º da Lei de Introdução ao Código Civil, que prevê que a lei do domicílio dos nubentes regula o regime de bens, sendo a lei italiana no caso em questão a que rege as relações entre os cônjuges, posto que estes eram lá domiciliados por ocasião das núpcias, legislação essa que determina a absoluta separação de bens do casal.

Este Conselho Superior da Magistratura têm entendido que a matéria pertinente à interpretação da disposição da Súmula 377 do STF deve ser entendida, nesta esfera administrativa, no sentido de que via de regra, na constância de casamento em que se adotou o regime da separação legal de bens, inexistente pacto antenupcial instituidor da separação absoluta de bens ou prova de que eles sejam produto de sub-rogação de bens anteriores ao enlace, presume-se a comunicação dos bens adquiridos, a título oneroso. A exclusão da partilha somente é admitida por decisão proferida pelo juízo competente, no exercício da função jurisdicional, com regular ingresso no registro imobiliário.

Dessa forma, morrendo um dos cônjuges abre-se o estado de indivisão a que se submetem os bens que integravam o seu patrimônio, o que somente será solucionado com o julgamento da partilha dos bens deixados pelo morto, vedada qualquer análise probatória no campo administrativo.

Tal decisão deverá ingressar regularmente no fólio real, para que então sejam disponibilizados os imóveis, cabendo ao registrador apenas a regular qualificação do título para verificação do atendimento aos princípios registrários, sob o estrito ângulo da regularidade formal.

Este Conselho, em acórdão proferido na Ap. Cív. nº 51.124.0/4-00, relator Des. Nigro Conceição, decidiu que “em face da inviabilidade de que se venha a questionar, na via administrativa, matéria que envolve questão de mérito da decisão judicial precedente, que nos casos em que o bem objeto do ato de registro tenha sido excluído da partilha ou partilhado como próprio do autor da herança, deverá o registrador, quanto a este aspecto, apenas verificar se houve expressa referência ao imóvel e se no processo judicial houve a ciência ou participação do outro cônjuge ou de seus herdeiros, eventuais interessados no reconhecimento da comunhão de aqüestos”.

Tal interpretação deve se estender também ao caso presente, em que o casamento foi celebrado na Itália, segundo as leis desse país.

Com efeito, a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal está redigida da seguinte forma: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Para melhor análise das razões trazidas aos presentes autos quanto à aplicação de tal Súmula à hipótese em tela, mister fazer-se um pequeno resumo de como e porque foi ela editada.

A Súmula escora-se em quatro arestos publicados em 1943, 1946, 1947 e 1948, e que tiveram o nítido escopo de amparar a mulher dentro da relação conjugal, e evitar situações injustas quando formadas sociedades de fato entre cônjuges casados pelo regime da separação de bens, relativamente a casais estrangeiros, sobretudo italianos.

Pertinente a transcrição dos ensinamentos de Silvio Rodrigues em comentário à Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal:

“À época em que se iniciou a emigração italiana para o Brasil, o regime legal de bens na Itália era o da separação. Assim, como no Brasil se aplicava, então, o ‘jus sanguinis’, em caso de dissolução do casamento daqueles casais (em geral pela morte de um dos cônjuges), cujo casamento fora contraído naquele país, aplicava-se a lei italiana; portanto, se reconhecia que o regime de bens era o da separação. Isso não raro implicava grande injustiça, pois os bens, produto do trabalho dos dois cônjuges, haviam sido adquiridos em nome do marido e, no caso de pré-morte dele, todo o acervo assim conquistado passava à prole, nada cabendo à viúva. Para remediar tão feia injustiça surgiu nos Tribunais paulistas, onde o problema no mais das vezes se apresentou, a tese redentora do estabelecimento de uma sociedade de fato entre os cônjuges, que uniam seu esforços e recursos para alcançar o granjeio de um patrimônio. Assim, admitindo que aqueles bens foram adquiridos pelo esforço dos cônjuges, justo que, ao dissolver-se a sociedade de fato, pela morte de um dos sócios ou pelo desquite do casal, tais bens fossem partilhados” (O Direito na Década de 80, Estudos Jurídicos em Homenagem a Hely Lopes Meirelles).

Portanto, observa-se que a Jurisprudência hoje firmada no Supremo Tribunal Federal, com a edição da Súmula 377, adveio justamente da intenção de se reparar a injustiça presente em inúmeros casos de estrangeiros casados no exterior, principalmente na Itália, sob o regime da separação de bens, posto que esse era o regime oficial daquele país, os quais após anos de convivência formavam um patrimônio com o esforço comum de ambos.

Merece transcrição a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 78.811-GB, relator Min. Antonio Neder, in RTJ 74/96: “Regime de bens – Alemães casados pelo regime da separação de bens de acordo com a lei nacional de ambos, que se radicaram no Brasil após o casamento. Se o marido e a mulher se mantiveram sempre unidos e conjugaram esforços para levar a cabo a formação do patrimônio comum, ainda que a colaboração da esposa tenha sido limitada ao trabalho doméstico, tem ela indiscutivelmente o direito, até mesmo natural, de compartilhar daquele complexo de bens, como dispõe o art. 259 do CC. Não importa que o marido e mulher sejam estrangeiros e hajam celebrado o casamento pelo regime da separação de bens, nos termos da lei nacional de ambos, porque, no pormenor da comunhão dos aquestos, o importante e decisivo é o esforço comum e construtivo desenvolvido pelo casal no domicílio em que ele construiu e formou o patrimônio pelo trabalho constante e conjugado do marido e da mulher. Trata-se de uma realidade que o Direito Positivo se limita a homologar, tão difícil é a sua negação. Recurso extraordinário provido, nos termos do verb. 377 da Súmula”.

Diante disso, a tese adotada por esse Conselho no sentido de se adotar na esfera administrativa a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal como regra, deve também se estender aos casos de estrangeiros casados no exterior sob o regime da separação de bens.

A exclusão do bem da partilha somente por decisão do Juiz competente na esfera jurisdicional poderá ser decretada, providenciando-se o seu devido ingresso na tábua registral, obedecendo-se, assim, ao princípio da continuidade.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator