CGJ|SP: Reclamação – Registro de Imóveis – Cobrança de emolumentos para registro de escritura pública de inventário e partilha – Registro feito em desconformidade com o título – Registro, ainda, de cessão de direitos hereditários – Impossibilidade – Cobrança indevida caracterizada – Ausência de má-fé, dolo ou erro grosseiro – Determinação de devolução simples, corrigida monetariamente desde o desembolso, bem como de cancelamento do registro da cessão de direitos hereditários e de retificação do registro da partilha – Recurso provido em parte.

DICOGE 1.2

PROCESSO Nº 2012/61322 – QUATÁ – DEISE PEREIRA RAMALHO e OUTROS – Advogado: MARCIO RODRIGUES, OAB/SP 236.876.

(481/2012-E)

Reclamação – Registro de Imóveis – Cobrança de emolumentos para registro de escritura pública de inventário e partilha – Registro feito em desconformidade com o título – Registro, ainda, de cessão de direitos hereditários – Impossibilidade – Cobrança indevida caracterizada – Ausência de má-fé, dolo ou erro grosseiro – Determinação de devolução simples, corrigida monetariamente desde o desembolso, bem como de cancelamento do registro da cessão de direitos hereditários e de retificação do registro da partilha – Recurso provido em parte.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto por Deise Pereira Ramalho e Denise Augusta Pereira de Souza contra a r. decisão de fls. 34/36 que julgou improcedente a reclamação por elas formulada questionando o valor dos emolumentos cobrados pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Quatá para o registro, na matrícula nº 4.445, da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de Luiza Augusta Pereira.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 47/50).

É o relatório.

Opino.

A Lei Estadual no 11.332/01 dispõe sobre os emolumentos relativos aos atos praticados pelos notários e registradores e assegura a qualquer interessado o direito de reclamar ao Juiz Corregedor Permanente em caso de cobrança a maior ou a menor de emolumentos e despesas (art. 30).

Sem prejuízo da responsabilidade disciplinar, sujeita os notários e registradores ao pagamento de multa de 100 a 500 Ufesps caso recebam valores não previstos ou maiores que os previstos nas tabelas de custas e emolumentos e, na hipótese de recebimento de importâncias indevidas ou excessivas, além da multa, impõe-lhes a restituição do décuplo da quantia irregularmente cobrada do usuário (art. 32, I e § 3o).

Tudo por meio de regular procedimento administrativo em que assegurada a ampla defesa (art. 32, § 1º).

No caso em exame, com lastro em referida Lei, as recorrentes formalizaram reclamação junto ao MM. Juiz Corregedor Permanente solicitando: a) restituição do décuplo cobrado irregularmente; b) aplicação de multa; e c) apuração de responsabilidade disciplinar do Oficial de Registro de Imóveis.

Para se aferir a correção da cobrança perante o Registro de Imóveis é preciso, antes, examinar o título que lhe deu causa, qual seja, a escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de Luiza Augusta Pereira lavrada em 16.12.11 pelo Tabelião de Notas e de Protesto de Letras e Títulos de Quatá.

Consta de referida escritura que Luiza Augusta Pereira tinha três herdeiras, a saber: Deise Pereira Ramalho, Denise Augusta Pereira de Souza e Débora Pereira Souza Medeiros. O único bem partilhado era o imóvel objeto da matrícula nº 4.445, do Registro de Imóveis de Quatá.

Consta da escritura, antes da partilha e do pagamento dos quinhões, a cessão do quinhão hereditário de Débora Pereira Souza Medeiros a Deise Pereira Ramalho e Denise Augusta Pereira de Souza, pelo valor de R$ 10.000,00 (item 5 – fl. 13).

Logo em seguida vem o item 6 – da partilha e pagamento dos quinhões – pelo qual o imóvel foi, observada a cessão dos direitos hereditários, partilhado na proporção de 50% para Débora Pereira Souza Medeiros e 50% para Deise Pereira Ramalho.

Apresentado este título ao Registro de Imóveis, sobrevieram dois atos. O primeiro, R4, registrou a partilha do imóvel na proporção de 1/3 a Débora Pereira Souza Medeiros, 1/3 a Deise Pereira Ramalho e 1/3 a Denise Augusta Pereira de Souza. O segundo, R5, registrou a cessão onerosa de 1/3 dos direitos hereditários de Débora em favor de Deise e Denise (fls. 09/10).

Ocorre que o registro não guarda relação com a realidade do título. Não houve partilha em favor das três herdeiras e, em seguida, cessão de direitos de uma delas às demais.

Antes da partilha, Débora cedeu seus direitos hereditários a Deise e Denise. Por esta razão é que o imóvel foi a estas partilhado na proporção de 50% para cada uma.

Nem poderia ser diferente, pois a cessão de direitos hereditários só tem lugar antes da partilha. Depois dela, individualizados os bens que formavam o espólio, não há mais que falar em cessão de direitos, mas em compra e venda. E a sequência dos atos bem definida na escritura demonstra, de forma clara, que não houve compra e venda posterior à partilha, mas cessão de direitos.

Verifica-se, portanto, que o Oficial de Registro de Imóveis interpretou de forma equivocada a escritura de inventário e partilha, o que deu ensejo aos registros ora questionados.

Um só registro deveria ter sido efetuado: o da partilha por meio da qual Deise e Denise tornam-se titulares, cada uma, da fração ideal de 50% do imóvel.

Demais disso, o registro da cessão de direitos hereditários sequer poderia ter sido cogitado porque, de acordo com antiga e firme jurisprudência do C. Conselho Superior da Magistratura, essa modalidade de negócio jurídico não é passível de registro no fólio real (1).

Observe-se, ainda sobre este ponto, que a cessão recaiu sobre o quinhão dos direitos hereditários e não sobre fração ideal do imóvel, o que afasta a possibilidade de se registrar a cessão de direitos como compra e venda após o registro da partilha.

Também não há que se falar em partilha per saltum, na medida em que, com a cessão dos direitos hereditários feita por Débora, legitimou-se a atribuição do bem apenas a Deise e Denise.

Corolário disso é que os precedentes mencionados pelo Oficial de Registro de Imóveis não lhe socorrem, pois cuidam de hipótese diversa.

Assim, seja pela interpretação equivocada do título que lhe foi apresentado, seja pela impossibilidade de registro da cessão direitos hereditários, o Oficial de Registro de Imóveis de Quatá não poderia ter lançado o R5 na matrícula.

Correta, assim, a afirmação das recorrentes de que pagaram indevidamente a quantia de R$ 588,96 pelo registro da cessão de direitos hereditários.

A despeito da interpretação mal sucedida do Oficial de Registro de Imóveis, não se antevê dolo, má-fé ou culpa grave em sua conduta.

Primeiro, porque o Oficial, embora de forma equivocada, imaginou estar amparado por precedentes do Conselho Superior da Magistratura e desta Corregedoria. Segundo, porque os atos notariais e de registro envolvendo escrituras extrajudiciais de inventários e partilhas, separações e divórcios extrajudiciais ainda são relativamente recentes no ordenamento jurídico, não havendo regramento específico sobre eles.

Inviável, destarte, a aplicação da multa e da devolução do décuplo previstos no art. 32 e § 3º, da Lei Estadual nº 11.331/02, conforme a atual orientação desta Corregedoria Geral:

A jurisprudência desta Corregedoria Geral é firme no sentido de que a devolução no décuplo do valor cobrado a maior e a instauração de procedimento disciplinar pela cobrança indevida dependem da verificação de dolo, má-fé ou erro grosseiro:

“Como já se decidiu no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça, a restituição em décuplo tem cabida somente quando a cobrança de importância indevida ou excessiva advém de erro grosseiro, dolo ou má-fé. Nesse sentido decisão exarada em 1º de março de 2004 pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário Antonio Cardinale no processo nº 80/04, em que aprovado parecer elaborado pelo MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria José Marcelo Tossi Silva, com a seguinte ementa: Emolumentos – Oficial de Registro de Imóveis – Cobrança em excesso – Ausência de dolo, ou má-fé – Devolução em décuplo indevida – Recurso não provido” . (Proc. CG 2010/34918)

No caso em exame, não há indícios de má-fé, dolo ou erro grosseiro, mas mera interpretação equivocada dos preceitos normativos ainda não específicos sobre os inventários e partilhas, separações e divórcios extrajudiciais.

Incabíveis, por conta deste episódio isolado, a devolução no décuplo da quantia cobrada a maior e a instauração de procedimento disciplinar, devendo a reclamada, doravante, observar a forma de cobrança ora delineada para os atos futuros. (Processo CG 2012/00006965)

No caso em exame, da mesma forma que no precedente citado, fixada agora a maneira de se proceder frente à escritura de inventário com cessão de direitos hereditários, não mais poderá o Oficial de Registro de Imóveis, doravante, insistir na interpretação ora afastada, sob pena de se inverter a presunção de boa-fé.

Assim, parece adequado ao caso em exame a determinação da devolução simples, corrigida monetariamente desde o desembolso, da quantia paga pelas recorrentes ao Oficial de Registro de Imóveis de Quatá relativa ao registro da cessão dos direitos hereditários.

Ainda, tendo em vista a autotutela administrativa, o teor das manifestações apresentadas pelas recorrentes, a participação de todos os interessados no feito, a inexistência de potencial prejuízo a terceiros e, por fim a excepcionalidade do caso, sugerese a V. Exa. determine o cancelamento do R.05 e a retificação do R.04, ambos da matrícula nº 4.445, para que dela passe a constar que, pela escritura pública de inventário e partilha lavrada em 16.12.11 pelo Tabelião de Notas e Protesto de Letras e Títulos de Quatá, o imóvel foi partilhado a Deise Pereira Ramalho e Denise Augusta Pereira de Souza, na proporção de 50% para cada uma.

Nesses termos, o parecer que respeitosamente submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de que seja dado provimento em parte ao recurso para determinar: a) a devolução simples, corrigida monetariamente desde o desembolso, da quantia paga pelas recorrentes ao Oficial de Registro de Imóveis de Quatá relativa ao registro da cessão dos direitos hereditários (R4); e b) o cancelamento do R.05 e a retificação do R.04, ambos da matrícula nº 4.445, para que dela passe a constar que, pela escritura pública de inventário e partilha lavrada em 16.12.11 pelo Tabelião de Notas e Protesto de Letras e Títulos de Quatá, o imóvel foi partilhado a Deise Pereira Ramalho e Denise Augusta Pereira de Souza, na proporção de 50% para cada uma.

Em caso de aprovação, sugere-se a publicação do parecer para conhecimento geral.

Sub censura.

São Paulo, 12 de dezembro de 2012.

Gustavo Henrique Bretas Marzagão

Juiz Assessor da Corregedoria

NOTA DE RODAPÉ

Conselho Superior da Magistratura Apelações Cíveis nºs 6.861-0; 1.817-0; 4.258-0, 4.930-0, 6.2.86, 4.955-0, 6.034-0

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento em parte ao recurso e determino: a) a devolução simples, corrigida monetariamente desde o desembolso, da quantia paga pelas recorrentes ao Oficial de Registro de Imóveis de Quatá relativa ao registro da cessão dos direitos hereditários (R.04); e b) o cancelamento do R.05 e a retificação do R.04, ambos da matrícula nº 4.445, para que dela passe a constar que, pela escritura pública de inventário e partilha lavrada em 16.12.11 pelo Tabelião de Notas e Protesto de Letras e Títulos de Quatá, o imóvel foi partilhado a Deise Pereira Ramalho e Denise Augusta Pereira de Souza, na proporção de 50% para cada uma. Publique-se a íntegra do parecer para conhecimento geral. São Paulo, 14 de dezembro de 2012. (a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça. (D.J.E. de 18.01.2013 – SP)