CSM|SP: Registro de Imóveis. Instituição de bem de família voluntário pelos proprietários – Registro da escritura pública depois da alienação fiduciária do bem imóvel dado em garantia de confissão de dívida. Negócio jurídico fiduciário. Registro do título recusado. Dúvida Procedente. Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0039081-64.2011.8.26.0100, da Comarca da CAPITAL em que é apelante EUROGROUP SOCIEDAD ANONIMA e apelado o 13º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, negar provimento ao recurso, de conformidade com os votos do Desembargador Relator e do 3º Juiz, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, FRANCISCO ROBERTO ALVES BEVILACQUA, Decano, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 08 de novembro de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS. Instituição de bem de família voluntário pelos proprietários – Registro da escritura pública depois da alienação fiduciária do bem imóvel dado em garantia de confissão de dívida. Negócio jurídico fiduciário. Registro do título recusado. Dúvida Procedente. Recurso improvido.

Diante da recusa do Oficial em registrar um Instrumento Particular de Confissão de Dívida com Garantia de Alienação Fiduciária, EUROGROUP SOCIEDAD ANONIMA suscitou dúvida que veio a ser julgada procedente.

Apela a interessada e sustenta que a sentença está alicerçada em premissa equivocada, eis que o R7 à matrícula, foi efetuado mais de dois meses após a alienação fiduciária. Quando firmado o pacto, inexistia a instituição de bem de família sobre o imóvel, o que afasta a incidência do artigo 1717 do Código Civil. Aduz ainda que o contrato de alienação fiduciária de bem imóvel da Lei 9.514, de 20.11.1997, é negócio jurídico equiparado à hipoteca e constitui exceção à impenhorabilidade do bem de família. Por isso, invocável o preceito do inciso V do artigo 3º da Lei 8.009/90, pois, em relação ao contrato avençado, os devedores renunciaram à instituição e impenhorabilidade do bem de família, no momento em que ofertaram o imóvel em garantia. Insistem no provimento do apelo.

Manifesta-se o Ministério Público pelo desprovimento do recurso.

É uma síntese do necessário.

CLÓVIS BETTI e GISELDA MARIA DE QUEIROZ JACOB, ao confessarem o débito de R$ 1.200.000,00 e ajustarem o pagamento em 120 parcelas mensais, comprometeram-se, pelo mesmo instrumento particular de 10.10.2006, a transferir como garantia à credora, a propriedade resolúvel do imóvel objeto da matrícula 21.065 do 13º RI da Capital.

Antes disso, por escritura pública lavrada em 21.9.2006, registrada em 14.12.2006 sob número 7 da matrícula 21.065, destinaram o mesmo imóvel para instituir bem de família, com base no artigo 1711, caput, do Código Civil.

Verdade que o bem de família voluntário não se confunde com o bem de família legal. Preciso, neste ponto, o magistério de Paulo Lôbo: “o bem de família legal tem por finalidade a proteção da moradia da família, enquanto o bem de família voluntário visa à proteção da base econômica mínima da família”. Todavia, a distinção desservirá para liberar a empresa interessada de cumprir o disposto no artigo 1717 do Código Civil. É que, à época em que apresentada a alienação fiduciária a registro, preexistia o registro do bem de família. Em sede administrativa, descabido ao oficial e mesmo ao Corregedor isentar a parte de obter desfazimento judicial da instituição. Aplica-se à hipótese o teor do artigo 252 da Lei de Registros Públicos: “o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais, ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”.

A jurisdição poderá considerar ineficaz ou desconstituir o registro do bem de família. Inservível a tanto esta via administrativa, por sedutores possam parecer os argumentos em contrário.

Por estes fundamentos, nega-se provimento ao apelo.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR

1. Trata-se de dúvida registrária, suscitada pelo 13º Oficial de Registro de Imóveis desta Capital, a recair sobre a devolução de título (escritura particular de alienação fiduciária) tendo por objeto o imóvel da matrícula n. 21065, porque esse imóvel já fora instituído como bem de família, nos termos dos artigos 1711 do Código Civil, de forma que impedida sua alienação sem observância dos requisitos e procedimentos previstos no artigo 1717 do mesmo Código.

A dúvida foi julgada procedente pelo MM. Juiz Corregedor Permanente, sobrevindo apelação, fundada no fato da instituição do bem de família ter ocorrido dois meses depois de celebrado o termo de confissão de dívida com alienação fiduciária.

É o relatório.

2. Cuida-se de instituição de bem de família voluntário, com fundamento no artigo 1711 do Código Civil, de modo que não se aplicam, no caso, as disposições relativas ao bem de família legal que excepcionam a inalienabilidade no caso de ter sido o imóvel oferecido em garantia.

O instrumento particular de confissão de dívida com garantia de alienação fiduciária de bem imóvel foi celebrado em 10 de outubro de 2006 (fls. 25), data efetivamente anterior ao do registro da instituição do imóvel como bem de família voluntário, ocorrido em 14 de dezembro de 2006, com fundamento em escritura lavrada em 21 de setembro de 2006 e prenotada em 05 de outubro de 2006 (fls. 160).

Essa data, portanto, não é anterior à da lavratura do instrumento – público – de instituição de bem de família e nem mesmo anterior à respectiva prenotação, como visto.

Ademais, embora perfeitamente possível a constituição de propriedade fiduciária por instrumento particular com efeitos de escritura pública (artigo 30 da Lei 9532/97), sua eficácia é produzida apenas a partir da respectiva inscrição no fólio imobiliário (artigo 23 da Lei 9532/97), o que, reprise-se, não ocorreu antes de aperfeiçoada a instituição do bem de família voluntário.

Aliás, é de se notar que a data inscrita no instrumento particular não corresponde àquela em que efetuados os reconhecimentos das firmas nele apostas (dezembro de 2010 – fls. 25 verso).

Verifica-se, desta forma, que o tanto titulus adquirendi como o modo de adquirir da instituição do bem de família (respectivamente, 21/09/2006 e 14/12/2006) são anteriores ao titulus adquirendi e também ao modo de aquisição da propriedade fiduciária (10 de outubro de 2006, apenas apresentado a registro em 27 de junho de 2011).

Desta feita, não se pode concluir que a confissão de dívida e a garantia fiduciária sejam anteriores à instituição do imóvel como bem de família voluntário, quer considerando o título, quer considerando o modo de aquisição.

Última questão a considerar é aquela concernente à interpretação do artigo 1715 do Código Civil, assim redigido: “o bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio”.

Este dispositivo não se aplica à questão do registro, versando apenas sobre a impenhorabilidade do bem, sendo, portanto, inaplicável a este caso, dês que, nesta sede, a questão é apenas registrária, relativa à possibilidade de registro do contrato de alienação fiduciária apesar da anterior instituição do imóvel como bem de família.

Realmente, saber se a confissão de dívida, por instrumento particular, possibilita que em eventual processo de execução seja imóvel instituído como bem de família penhorado e alienado, é questão que só pode se solucionada nesse processo executivo, não tendo relevância neste processo de dúvida.

Por fim, atente-se que “o prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem de família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público” (art. 1717 do Código Civil), e é fato que a alienação fiduciária transfere a propriedade do imóvel, consistindo em alienação.

Daí, ser indispensável o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público, como condição para o almejado registro.

Do exposto, nega-se provimento ao recurso.

(a) IVAN RICARDO GARÍSIO SARTORI, 3º JUIZ (D.J.E. de 29.01.2013 – SP)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 9000001-39.2012.8.26.0185, da Comarca da ESTRELA D’OESTE em que é apelante APARECIDA DE FÁTIMA JOAQUIM e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso para julgar a dúvida improcedente e determinar o registro da carta de adjudicação, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, FRANCISCO ROBERTO ALVES BEVILACQUA, Decano, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 08 de novembro de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida –Carta de adjudicação – Reexame da ordem de vocação hereditária – Exigência relativa ao falecimento dos pais do autor da herança – Reexame do mérito da decisão jurisdicional – Desautorizado – Ofensa ao princípio da continuidade registral – Inocorrência – Dúvida improcedente – Recurso provido.

A interessada requereu suscitação de dúvida, pois inconformada com a desqualificação da carta de adjudicação apresentada para registro (fls. 04). Por sua vez, o Oficial de Registro, ao suscitar a dúvida, afirmou: o acesso do título ao fólio real depende de prova do falecimento dos pais de Sérgio Souza da Silva, de quem a suscitada era companheira (fls. 02). Instruída a suscitação com documentos, apresentada a impugnação e ouvido o Ministério Público (fls. 03/28, 30 e 32/33), a dúvida foi julgada procedente (fls. 34).

Interposta apelação, com reiteração das alegações pretéritas, com base nas quais sustentado o direito da interessada à totalidade do bem imóvel objeto da adjudicação, independentemente da comprovação do falecimento dos genitores do companheiro dela (fls. 36/37), o recurso foi recebido (fls. 38) e, após nova manifestação do Ministério Público (fls. 38 verso), os autos foram enviados ao Conselho Superior da Magistratura, onde a Procuradoria Geral de Justiça propôs o desprovimento do recurso (fls. 43/48).

É o relatório.

O imóvel descrito na matrícula n.º 5.721 do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Estrela D’Oeste/SP está em nome de Sérgio Souza da Silva (fls. 15/16).

Com o seu falecimento, no dia 23 de julho de 2010 (fls. 12), foi aberto inventário, processado sob a forma de arrolamento, que culminou com a adjudicação do imóvel, único bem deixado pelo de cujus, em favor de Aparecida de Fátima Joaquim, sua companheira (fls. 07/10 e 25).

A despeito da certidão de óbito revelar que Sérgio Souza da Silva faleceu após a sua genitora e sem deixar filhos (fls. 12), não há notícia sobre o falecimento de Universo Barbosa da Silva, pai do autor da herança, companheiro da apelante-interessada.

De toda forma, porque formalmente em ordem o título, a exigência impugnada não deve prevalecer, malgrado a origem judicial daquele não torne prescindível a qualificação registrária, conforme pacífico entendimento do Colendo Conselho Superior da Magistratura:

Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental (Ap. Cível nº 31881-0/1).

Ocorre que a qualificação que recai sobre os títulos judiciais não é irrestrita: restringe-se ao exame dos elementos extrínsecos, sem promover incursão sobre o mérito da decisão que o embasa.

Porém, na hipótese vertente, o Oficial de Registro recusou o ingresso do título porque não comprovado o falecimento dos pais de Sérgio Souza da Silva, os quais teriam direito a 2/3 da herança (artigo 1.790, III, do CC): quero dizer, a pretexto de observar o princípio da continuidade, avançou sobre o conteúdo da decisão judicial.

Todavia, o princípio da continuidade não autoriza a desqualificação.

Consoante o artigo 195 da Lei n.º 6.015/1973, “se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”

Já o artigo 237, também da Lei n.º 6.015/1973, dispõe: “ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

Por sua vez, Afrânio de Carvalho, esclarece:

O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente.

Em síntese: o princípio da continuidade considera a pessoa que transfere o direito, não a que o recebe.

Logo, a continuidade está preservada no caso sob exame: quem transferiu o direito (o autor da herança – Sérgio Souza da Silva) figura no Registro de Imóveis como seu titular.

Além disso, conforme acima adiantado, a análise promovida pelo Oficial de Registro, ao questionar a observação da ordem de vocação hereditária e a partilha dos bens deixados pelo de cujus, ingressou no acerto da sentença, o que se situa fora do alcance da qualificação registral.

Ora, valorou elemento intrínseco do título. E, na realidade, na via administrativa, é inadmissível reformar decisão jurisdicional. Nesse sentido, a propósito, a lição de Afrânio de Carvalho:

Assim como a inscrição pode ter por base atos negociais e atos judiciais, o exame da legalidade aplica-se a uns e a outros.

Está visto, porém, que, quando tiver por objeto atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-seàconexão dos respectivos dados com o registro e à formalização instrumental. Não compete ao registrador averiguar senão esses aspectos externos dos atos judiciais, sem entrar no mérito do assunto neles envolvido, pois, do contrário, sobreporia a sua autoridade à do Juiz.

Ao compartilhar o mesmo entendimento, Narciso Orlandi Neto, quando juiz da 1.ª Vara de Registros Públicos desta Capital, sentenciou, nos autos do processo n.º 973/81:

Não compete ao Oficial discutir as questões decididas no processo de inventário, incluindo a obediência ou não às disposições do Código Civil, relativas à ordem da vocação hereditária (artº 1.603). No processo de dúvida, de natureza administrativa, tais questões também não podem ser discutidas. Apresentado o título, incumbe ao Oficial verificar a satisfação dos requisitos do registro, examinando os aspectos extrínsecos do título e a observância das regras existentes na Lei de Registros Públicos. Para usar as palavras do eminente Desembargador Adriano Marrey, ao relatar a Apelação Cível 87-0, de São Bernardo do Campo, “Não cabe ao Serventuário questionar ponto decidido pelo Juiz, mas lhe compete o exame do título à luz dos princípios normativos do Registro de Imóveis, um dos quais o da continuidade mencionada no artº 195 da Lei de Registros Públicos. Assim, não cabe ao Oficial exigir que este ou aquele seja excluído da partilha, assim como não pode exigir que outro seja nela incluído. Tais questões, presume-se, foram já examinadas no processo judicial de inventário.

Em suma: se, de um lado, o interessado, uma vez inconformado com a sentença, pode valer-se de medidas judiciais previstas no ordenamento jurídico, de outro, não se permite, ao Oficial de Registro, ao qualificar o título, rever a sentença judicial transitada em julgado.

Aliás, a situação dos autos não se confunde com aquelas nas quais o Oficial de Registro devolve o título que contém vício de ordem formal, extrínseca, e o Juízo que o gerou, em sede jurisdicional e de forma específica, analisa e afasta a exigência que era pertinente: nesses casos, a discussão se restringe aos aspectos formais do título judicial.

Aqui, diferentemente, a qualificação recaiu sobre o mérito do título judicial, o que é defeso ao Oficial de Registro, pois, repita-se, cuida-se de elemento intrínseco do título.

Dentro desse contexto, a dúvida é improcedente, em harmonia com recente precedente deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, então expresso no julgamento da Apelação Cível n.º 0011977-27.2011.8.26.0576.

Pelo todo exposto, dou provimento ao recurso para julgar a dúvida improcedente e determinar o registro da carta de adjudicação.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 29.01.2013 – SP)