CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura pública de dação em pagamento – Cópia de traslado da escritura – Apresentação tardia da via original – Inadmissibilidade – Dúvida inversa prejudicada – Dispensa de exibição da certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União – Exibição de CND/INSS – Também prescindível, malgrado apresentada – Precedentes do Egrégio Supremo Tribunal Federal e do Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo – Exigência descabida – Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0013479-23.2011.8.26.0019, da Comarca de AMERICANA, em que é apelante HUDTELFA TEXTILE TECHNOLOGY LTDA. e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em não conhecer da apelação, pois prejudicada a dúvida, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, CARLOS AUGUSTO DE SANTI RIBEIRO, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 13 de dezembro de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

Voto

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de dação em pagamento – Cópia de traslado da escritura – Apresentação tardia da via original – Inadmissibilidade – Dúvida inversa prejudicada – Dispensa de exibição da certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União – Exibição de CND/INSS – Também prescindível, malgrado apresentada – Precedentes do Egrégio Supremo Tribunal Federal e do Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo – Exigência descabida – Recurso não conhecido.

Ao suscitar dúvida inversa, a interessada expressou seu inconformismo com a exigência formulada pelo Oficial, que condicionou o registro da escritura pública de dação em pagamento à exibição de certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União (fls. 56): argumentou que a imposição impugnada consagra expediente ilegal, mecanismo indireto e coercitivo de cobrança de tributos, enfim, sanção política inaceitável, contrária a precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça de São Paulo (fls. 157/169).

O Oficial de Registro, além de realçar que a dúvida inversa está prejudicada, porquanto aparelhada com cópia do título, afirmou a pertinência da exigência questionada, respaldada pelo artigo 47, I, ‘b’, da Lei n.º 8.212/1991, pelo artigo 257, I, ‘b’, do Decreto Federal n.º 3.048/1999 e pelo artigo 1.º do Decreto Federal n.º 6.106/2007, bem como por precedentes do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (fls. 174/178).

Após o parecer do Ministério Público e a exibição da via original do traslado da escritura pública extraído pelo Tabelião (fls. 180/184 e 188/192), a dúvida inversa foi julgada improcedente (fls. 198/201), determinando, primeiro, a oposição de embargos de declaração (fls. 208/214), rejeitados (fls. 215), e, depois, com reiteração das ponderações antes expostas, a interposição de apelação (fls. 219/232), recebida em seus regulares efeitos (fls. 236).

Com novo parecer do representante do Ministério Público em primeira instância (fls. 240/241), os autos foram encaminhados ao Conselho Superior da Magistratura e a Procuradoria Geral da Justiça propôs o provimento do recurso (fls. 242/243 e 246/251).

É o relatório.

A interessada, ao manifestar o seu inconformismo em relação à desqualificação do título apresentado para registro, suscitou dúvida inversa, criação pretoriana admitida por este Conselho Superior da Magistratura: ao invés de requerer a suscitação diretamente ao Oficial, dirigiu a sua irresignação à MM Juíza Corregedora Permanente (fls. 157/169).

A MM Juíza Corregedora Permanente, embora, ao sentenciar, tenha utilizado o vocábulo improcedente, julgou a dúvida inversa procedente, pois reconheceu a pertinência da exigência questionada, enfim, prestigiou a recusa expressa pelo Oficial, que negou o acesso da escritura ao álbum imobiliário (fls. 198/201).

A dúvida inversa está prejudicada, uma vez que o requerimento da interessada não foi instruído com a via original do traslado da escritura pública extraído pelo tabelião, mas com simples cópia (fls. 50/54): e sem a exibição do original, o reexame da desqualificação fica vedado.

É inadmissível o acesso de cópia ao fólio real, de acordo com o Conselho Superior da Magistratura. Sequer a apresentação de cópia autenticada supre a falta da via original. Além disso, a exibição tardia do título, no curso do procedimento de dúvida, como ocorrido in concreto (fls. 188/192), resta desautorizada, pois levaria à injusta prorrogação do prazo da prenotação.

Agora, se a dúvida não estivesse prejudicada, seria o caso de julgá-la improcedente, com afastamento da pertinência da exigência de apresentação de certidão conjunta negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União (fls. 56) e determinação voltada ao registro da escritura pública de dação em pagamento, pelas razões abaixo expostas.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal tem reiterada e sistematicamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis e de atos normativos do Poder Público que tragam em si sanções políticas, vale dizer, normas enviesadas a forçar, a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário.

Nos autos das ADIs nºs 173-6 e 394-1, declarou a Suprema Corte, por unanimidade, a inconstitucionalidade do artigo 1º, I, III e IV, e §§ 1º a 3º, da Lei nº 7.711/88, a seguir transcritos:

Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:

I – transferência de domicílio para o exterior; (…)

III – registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa, conforme definida na legislação de regência;

IV – quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional – OTNs:

a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos;

b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;

c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais.

§ 1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às partes intervenientes.

§ 2º Para os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal, segundo normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III e IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância administrativa, procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da dívida.

§ 3º A prova de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou outro documento hábil, emitido pelo órgão competente.

Interessa, para o caso vertente, a situação versada no inciso IV, alínea ‘b’, que cuida da necessidade de comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias quando do registro de títulos no Registro de Imóveis.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade de referido inciso, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente.

Assim, não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias como condição para o ingresso de qualquer título no Registro de Imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado.

Em suma, a exigência questionada, sem qualquer relação com o ato registral, revela-se descabida: importa cobrança do Estado por via oblíqua (sanção política), reputada inconstitucional, como visto.

Não se desconhece, é certo, o entendimento vigente neste Colendo Conselho Superior da Magistratura:

A exigência das certidões negativas vem expressa no art. 47, I, “b”, da Lei 8.212/91. A invocação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 173-6 – Distrito Federal, que reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº 7.711/88, afastando a exigência de quitação dos créditos tributários para a prática de atos da vida civil e empresarial não beneficia o apelante.

É que a situação regulada nos dispositivos considerados inconstitucionais difere, por completo, da examinada neste procedimento de dúvida. Reconheceu-se a inconstitucionalidade das “restrições não-razoáveis ou desproporcionais ao exercício da atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos”. A orientação tomada pelo Supremo Tribunal Federal foi a de vedar a aplicação de sanções políticas tributárias, que pudessem,entre outras coisas, redundar na interdição de estabelecimentos e proibição total do exercício de atividade profissional.

Pede-se vênia, porém, para discordar da premissa adotada: o venerando acórdão da Suprema Corte, embora tenha levado em conta a interdição de estabelecimentos e a proibição do exercício de atividade profissional, em momento algum restringiu a inconstitucionalidade declarada a tais situações. Exatamente por esta razão, aliás, é que o eminente Ministro Joaquim Barbosa, relator da Adi 173, frisou em seu voto que:

Como se depreende do perfil apresentado e da jurisprudência da Corte, as sanções políticas podem assumir uma série de formatos. A interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns.

Ao dizer que o que interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns de sanções políticas, deixou claro o Supremo Tribunal Federal que a mesma lógica deve ser aplicada em outros casos em que se fizer presente a sanção política, por representar expediente de cobrança proscrito, uma vez incompatível com a ordem constitucional vigente.

O paradigmático acórdão, aliás, realça que sanções políticas subtraem do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da Carta Magna). A propósito, conquanto extensa, mas para evidenciar o assinalado, reproduzo a ementa correspondente:

CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/’988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica “exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial” ou “administrativa”. Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes. (grifei)

Destarte, se o Supremo Tribunal Federal extirpou do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer espécie de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido, é certo, tampouco em se fazer exigência com fundamento em regras de menor abrangência, como as estabelecidas no artigo 47, I, ‘b’, da Lei n.º 8.212/1991, e na Instrução Normativa n.º 93/2001, da Receita Federal.

Não se deve interpretar a regra do artigo 47 da Lei n.º 8.212/91 e a Instrução Normativa n.º 93/2001, da Receita Federal, à revelia do venerando acórdão do Supremo Tribunal Federal (Adi 173) e de toda a sua sólida e antiga jurisprudência no sentido de afastar as sanções políticas (RMS 9.698, RE 413.782, RE 424.061, RE 409.956, RE 414.714 e RE 409.958).

Também este Egrégio Tribunal de Justiça, fulcrado nos precedentes do Supremo Tribunal Federal, tem caminhado nesse sentido: nos autos da arguição de inconstitucionalidade n.º 139256-75.2011.8.26.0000, da qual participei, o Colendo Órgão Especial declarou a inconstitucionalidade do artigo 47, I, ‘d’, da Lei n.º 8.212/91. E o venerando acórdão restou assim ementado:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.212/91, ART. 47, ALÍNEA “D”. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA NO REGISTRO OU ARQUIVAMENTO, NO ÓRGÃO PRÓPRIO, DE ATO RELATIVO A EXTINÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL. OFENSA AO DIREITO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS E PROFISSIONAIS LÍCITAS (CF, ART. 170, PARÁGRAFO ÚNICO), SUBSTANTIVE PROCESS OF LAW E AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ARGUIÇÃO PROCEDENTE. Exigência descabida, em se cuidando de verdadeira forma de coação à quitação de tributos. Caracterização da exigência como sanção política. Precedentes do STF.

Ao proferir voto-vista, consignei:

De fato, normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de débitos tributários devem ser proporcionais, razoáveis e necessárias, o que só se verifica quando a relação entre meios e fins – sendo estes os objetivos a que se destinam a coisa pública – não excedem os limites indispensáveis à legitimidade do fim que se almeja. Nessa ordem de idéias, é manifesta a inconstitucionalidade e ilegitimidade do artigo 47, inciso I, ‘d’, da Lei Federal n° 8.212/1991, quando exige, da empresa, certidão negativa de débito previdenciário “no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada.” Há abuso do poder legiferante estatal, porque o contribuinte é constrangido, por via indireta e enviesada, ao pagamento de débito tributário; tem dificultado o livre acesso ao Judiciário, pois desde logo considera-se perfeita e acabada a imposição fiscal; vê tolhido seu direito fundamental ao exercício de atividade econômica, à livre iniciativa, à prática empresarial lícita. Conforme bem observa HUGO DE BRITO MACHADO, “A ilicitude de não pagar tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade econômica, que é direito fundamental. Atividade econômica lícita, é certo, mas a ilicitude de não pagar o tributo, não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Uma coisa é a ilicitude de certa atividade. Outra, bem diversa, a ilicitude consistente no descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória. Mesmo incorrendo nesta última, quem exercita atividade econômica continua protegido pela garantia constitucional. Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante ação de execução fiscal.” O Poder Público já dispõe de enormes privilégios e prerrogativas quando contende em Juízo e, mais ainda, quando executa seus créditos tributários. Se entende que algum tributo lhe é devido, deve propor a competente execução fiscal, mas nunca eclipsar o princípio da livre iniciativa, princípio que, no âmbito econômico, consubstancia-se numa das facetas do postulado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito ao pleno desenvolvimento das próprias potencialidades.” (grifei).

É sabido que o caso posto não cuida de extinção de pessoa jurídica. Porém, a operação econômica expressa na escritura pública de dação em pagamento também é manifestação da livre iniciativa, do exercício da autonomia privada, da liberdade contratual e está associada à atividade empresarial da interessada, garantida constitucionalmente e que não pode ser estorvada, restringida, por sanções de natureza política, na compreensão do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça.

Insista-se, tanto na situação referente à extinção da pessoa jurídica quanto no presente, a exibição da certidão negativa de débito – CND tem o mesmo escopo: constranger o contribuinte, por via oblíqua, ao recolhimento do crédito tributário. Se assim é, idêntico, por conseguinte, tem de ser o desfecho, a solução da questão, com afastamento da exigência impugnada. Ora, lembrando famoso adágio romano, ubi eadem legis ratio, ibi eadem dispositio.

Em resumo, convém, conforme sinalizado em voto elaborado para Apelação Cível n.º 0018870-06.2011.8.26.0068 e na linha dos precedentes antes mencionados e, também, de outro, recente, da Corregedoria Geral da Justiça, a modificação da posição vigorante neste Colendo Conselho Superior da Magistratura.

De fato, razão alguma justifica a comprovação de inexistência de débito tributário como condição – desproporcional e despida de razoabilidade -, para o registro de títulos no Registro de Imóveis, mormente, em particular, para o da escritura pública de dação em pagamento, que apenas não se determina porque prejudicada a dúvida inversa.

Pelo todo exposto, não conheço da apelação, pois prejudicada a dúvida.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 30.01.2013 – SP)