CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida inversa – Não promovida nova prenotaçâo pelo Oficial de Registro embora cessados os efeitos da original – Descumprimento do subitem 30.1. do Capítulo XX das NSCGJ – Exibição de simples cópia do instrumento particular de compra e venda – Dúvida prejudicada – Exigência questionada – Descabimento – Artigo 108 do CC – Parâmetro – Valor do imóvel ao tempo do negócio jurídico – Inferior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no País – Escritura pública prescindível para a validade da compra e venda – Ausência de reconhecimento de firma das testemunhas – Título insuscetível de registro – Recurso não conhecido com recomendação.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO N° 9000001-41.2012.8.26.0346, da Comarca de Martinópolis, em que é apelante LUIZ FERNANDO DE MELLO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE MARTINÓPOLIS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NÃO CONHECERAM DO RECURSO, COM RECOMENDAÇÃO PARA O MM JUIZ CORREGEDOR PERMANENTE APURAR SE O OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DE MARTINÓPOLIS VEM DESCUMPRINDO A NORMA EMERGENTE DO ITEM 30.1 DO CAPÍTULO XX DAS NSCGJ, V.U.”, de conformidade com o voto do (a) Relator (a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, SILVEIRA PAULILO, SAMUEL JÚNIOR E TRISTÃO RIBEIRO.
São Paulo, 23 de agosto de 2013.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
VOTO N° 21.291
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa – Não promovida nova prenotaçâo pelo Oficial de Registro embora cessados os efeitos da original – Descumprimento do subitem 30.1. do Capítulo XX das NSCGJ – Exibição de simples cópia do instrumento particular de compra e venda – Dúvida prejudicada – Exigência questionada – Descabimento – Artigo 108 do CC – Parâmetro – Valor do imóvel ao tempo do negócio jurídico – Inferior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no País – Escritura pública prescindível para a validade da compra e venda – Ausência de reconhecimento de firma das testemunhas – Título insuscetível de registro – Recurso não conhecido com recomendação.
O interessado, confirmada, em primeira instância, a desqualificação registral impugnada (fls. 51/53), interpôs apelação e, com reiteração de suas alegações iniciais (fls. 02/08), tornou a sustentar a aptidão registral do instrumento particular apresentado, pois, diante do preço ajustado pelas partes em março de 2010, correspondente ao valor do imóvel, a escritura pública não era requisito de validade da compra e venda, e porque a avaliação para fins tributários, realizada, em 2012, em desconformidade com as normas técnicas, não baliza a aplicação do artigo 108 do Código Civil (fls. 57/68).
Com o recebimento do recurso no duplo efeito (fls. 74), os autos foram encaminhados ao Conselho Superior da Magistratura (fls. 75/77) e, ato contínuo, abriu-se vista à Procuradoria Geral de Justiça, que propôs o não conhecimento da apelação, porquanto prejudicada a dúvida, e, subsidiariamente, o provimento do recurso (fls. 79/82).
É o relatório.
O interessado, ao exteriorizar seu inconformismo em relação à desqualificação do título apresentado para registro, suscitou dúvida inversa, criação pretoriana admitida por este Conselho Superior da Magistratura[1]: ao invés de requerer a suscitação ao Oficial de Registro, dirigiu sua irresignação diretamente ao Juiz Corregedor Permanente (fls. 02/08).
O MM Juiz Corregedor Permanente, embora, ao sentenciar, tenha utilizado o vocábulo improcedente, julgou a dúvida inversa procedente, porquanto confirmou o acerto do juízo negativo de qualificação registral (fls. 51/53).[2]
Contudo, a dúvida inversa está prejudicada.
Ciente da nota devolutiva lavrada pelo Oficial, da recusa e da exigência formulada, o interessado, oportunamente, não requereu suscitação de dúvida, e tampouco o Oficial tomou conhecimento da dúvida inversa tempestivamente, motivos por que os efeitos da prenotação cessaram automaticamente (artigo 205 da Lei n.° 6.015/1973[3]).
Apenas no dia 13 de setembro de 2012 – quando decorridos mais de três meses da prenotação, em 25 de maio de 2012 (fls. 10), e da desqualificação registral, em 31 de maio de 2012 (fls. 19) -, o Oficial foi cientificado da dúvida inversa arguida pelo interessado (fls. 22/23).
Porque cessados os efeitos da prenotação relativa ao Protocolo n.° 53.7222, competia ao Oficial, ao ser cientificado da dúvida inversa, proceder a um novo protocolo do título, atribuindo-lhe número de ordem determinante de sua prioridade (artigos 182 e 186, ambos da Lei n.° 6.015/1973[4]).
Além disso, antes de enviar as razões da recusa ao MM Juiz Corregedor Permanente, cabia-lhe anotar, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida e certificar, no título, rubricando as folhas, a prenotação e a dúvida suscitada (artigo 198, I e II, da Lei n.° 6.015/1973 e subitem 30.1, combinado com as alíneas b e c do item 30, do Capítulo XX das NSCGJ[5]).
No entanto, o Oficial assim não agiu, tornando prejudicado o conhecimento da dúvida inversa: raciocinando em tese, outros títulos, contraditórios, antagônicos, podem ter sido apresentados para registro – com prioridade ainda garantida, talvez, em relação ao contrato particular de compra e venda de imóvel-, ou já terem sido registados, desde a cessação dos efeitos da primeva prenotação e, particularmente, a partir da manifestação do Registrador, no dia 26 de setembro de 2012 (fls. 25/28).
Enfim, o conhecimento da dúvida inversa resta desautorizado. De todo modo, se superado fosse tal obstáculo, subsistiria óbice ao seu exame, pois o requerimento do interessado não foi instruído com a via original do título, mas com cópia do instrumento particular (fls. 11/13): e sem a exibição do original, a reanálise da recusa fica vedada.
Não é permitido o acesso de cópia ao fólio real, de acordo com o Conselho Superior da Magistratura.[6] Sequer a apresentação de cópia autenticada supre a falta da via original.[7] Além disso, a exibição tardia do título, no curso do procedimento de dúvida, não ocorrida in concreto, também é inadmissível.[8]
Caso a dúvida admitisse exame, a desqualificação registral seria mantida, mas por razão outra que não a exposta pelo Oficial: o título não traz o reconhecimento de firmas das testemunhas instrumentárias (fls. 13) e, por isso, então, nos termos do artigo 221, II, primeira parte, da Lei n.° 6.015/1973[9], é insuscetível de registro.[10]
Quanto ao juízo negativo de qualificação registral manifestado pelo Oficial, o interessado tem razão.
A escritura pública, na hipótese vertente, não é requisito de validade do negócio jurídico.
De acordo com o artigo 108 do Código Civil, “não dispondo a lei em sentido contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.” (grifei)
O valor a pautar a indispensabilidade da escritura pública para a validade do negócio jurídico corresponde ao do bem imóvel, segundo, inclusive, a jurisprudência administrativa do Conselho Superior da Magistratura deste Egrégio Tribunal [11], embora o da operação econômica, o preço estabelecido pelos contratantes na compra e venda, por exemplo, seja um indicativo do valor de mercado daquele.
Também o é, a propósito, o valor venal apurado, para fins tributários, pelo ente estatal competente, sujeito ativo da obrigação tributária, que pode coincidir ou não com o da operação econômica concluída.
Nenhum dos dois, contudo, é decisivo: são dados, todavia, importantes para aferição do valor de mercado do imóvel e, dessa forma, para apreciação da validade do negócio jurídico.
No entanto, o parâmetro é o valor do imóvel ao tempo do negócio jurídico com potência para a constituição, transferência, modificação ou a renúncia de direitos reais imobiliários, enfim, o da época do aperfeiçoamento do titulus adquirendi, e não o contemporâneo ao registro, ao ato, modo pelo qual se opera a mutação de direito real, determinante para fins de ITBI, cujo fato gerador depende da efetiva transmissão do direito real imobiliário.[12]
Dentro desse contexto, a avaliação promovida pela Prefeitura do Município de Martinópolis, realizada em 16 de maio de 2012 (fls. 16), com vistas à definição do valor do ITBI, é indiferente para qualquer resolução sobre a incidência do artigo 108 do Código Civil e, particularmente, a imprescindibilidade da escritura pública.
O arbitramento unilateral da base de cálculo do ITBI feita pelo Município, oportunizado pelo artigo 148 do Código Tributário Nacional [13], não reflete a expressão monetária do bem imóvel por ocasião do desenlace do negócio jurídico. É irrelevante, dessa maneira, para a análise de sua validade.
Tal validade, realmente, orienta-se pelas situações jurídica e fática vigentes à época da conclusão do negócio jurídico. E naquele momento, março de 2010, tanto o preço atribuído pelos contratantes como o valor venal apurado pelo Município para fins de IPTU eram inferiores a 30 salários mínimos (fls. 11/13 e 18).
Mesmo se levado em consideração a data em que reconhecidas as firmas dos contratantes, em 04 de maio de 2012 (fls. 13) – embora existam outros elementos a respaldar a celebração da compra e venda em março de 2010 (fls. 69) -, não haveria justificativa para exigir a escritura pública.
Com efeito, em 2012, o valor venal constante do lançamento de IPTU equivalia a R$ 5.096,48 (fls. 18), quase três vezes abaixo do preço da compra e venda (R$ 15.000,00 – fls. 11/13), também inferior, já se acentuou, e aqui com mais razão (dada a evolução do salário mínimo entre 2010 e 2012), do limite previsto no artigo 108 do Código Civil.
E além do relevo de tais elementos balizadores da dispensa da escritura pública, insta acrescer, em desabono da exigência, que a documentação exibida sequer permite aferir, à luz do que prevê o artigo 148 do Código Tributário Nacional, a regularidade do processo que culminou com o arbitramento procedido pela Municipalidade (fls. 15/16).
Em síntese: malgrado descabida a exigência objeto da nota devolutiva, a dúvida está prejudicada.
Pelo todo exposto, porque prejudicada a dúvida, não conheço do recurso de apelação, com recomendação para o MM Juiz Corregedor Permanente apurar se o Oficial do Registro de Imóveis e Anexos de Martinópolis vem descumprindo a norma emergente do item 30.1. do Capítulo XX das NSCGJ.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Apelação Cível n.° 23.623-0/1, relator Desembargador Antônio Carlos Alves Braga, julgada em 20.02.1995; Apelação Cível n.° 76.030-0/8, relator Desembargador Luís de Macedo, julgada em 08.03.2001; e Apelação Cível n.° 990.10.261.081-0, relator Desembargador Munhoz Soares, julgada em 14.09.2010.
[2] Apelação Cível n.° 990.10.261.081-0, relator Desembargador Munhoz Soares, julgada em 14.09.2010: “a nomenclatura utilizada pelo art. 203 da Lei de Registros Públicos não faz distinção entre a dúvida comum e a inversa, razão pela qual na verdade a dúvida foi julgada procedente, a despeito do erro material contido na sentença.”
[3] Artigo 205. Cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos 30 (trinta) dias do seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais.
[4] Artigo 182. Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa de sua apresentação.
Artigo 186. O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente.
[5] Artigo 198. Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte: I – no Protocolo, anotará o oficial, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida; II – após certificar, no título, a prenotação e a suscitação da dúvida, rubricará o oficial todas as suas folhas; (…).
Item 30.1. Ocorrendo direta suscitação pelo próprio interessado (“dúvida inversa”), o título também deverá ser prenotado, assim que o oficial a receber do Juízo para a informação, observando-se, ainda, o disposto nas letras “b” e “c”.
Item 30. (…): a) (…); b) será anotada, na coluna “atos formalizados”, à margem da prenotação, a observação “dúvida suscitada”, reservando-se espaço para anotação do resultado; c) após certificadas, no título, a prenotação e a suscitação da dúvida\ será aquele rubricado em todas as suas folhas; (…).
[6] Apelação Cível n.° 33.624-0/4, relator Desembargador Márcio Martins Bonilha, julgado em 12.09.1996; Apelação Cível n.° 94.033-0/3, relator Desembargador Luiz Tâmbara, julgado em 13.09.2002; Apelação Cível n.° 278-6/0, relator Desembargador José Mário Antônio Cardinale, julgado em 20.01.2005.
[7] Apelação Cível n.° 38.411-0/9, relator Desembargador Márcio Martins Bonilha, julgado em 07.04.1997; Apelação Cível n.° 77.181-0/3, relator Desembargador Luís de Macedo, julgado em 08.03.2001; Apelação Cível n.° 516-6/7, relator Desembargador Gilberto Passos de Freitas, julgado em 18.05.2006.
[8] Apelação Cível n.° 43.728-0/7, relator Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, julgada em 21.08.1998; Apelação Cível n.° 0003529-65.2011.8.26.0576, sob minha relatoria, julgada em 22.03.2012.
[9] Artigo 221. Somente são admitidos registro:
(…);
II – escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação; (grifei)
[10] Apelação Cível n.° 35.544-0/3, relator Desembargador Márcio Martins Bonilha, julgado em 11.10.1996.
[11] Apelação Cível n.° 1.088-6/0, relator Desembargador Ruy Camilo, julgado em 02.06.2009; Apelação Cível n.° 1.121-6/1, relator Desembargador Ruy Camilo, julgado em 16.06.2009; Apelação Cível n.° 0007514-42.2010.8.26.0070, relator Desembargador Maurício Vidigal, julgado em 28.07.2011.
[12] STJ – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.° 10.650/DF, relator Ministro Francisco Peçanha Martins, julgado em 16.06.2000; STJ – Recurso Especial n.° 863.893/PR, relator Ministro Francisco Falcão, julgado em 17.10.2006.
[13] Artigo 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial. (D.J.E. de 30.09.2013 – SP)